No seu "Diário de um escritor" Dostoievski inseriu um texto digno de nota - aliás, como tudo o que escreve - que me chamou a atenção pela sua surpreendente atualidade. Trata-se do cuidado que se deve ter com a infância e a adolescência, coisa que se faz mais urgente nos dias de hoje e, principalmente, em nosso país,onde vemos tanto descaso e tantos absurdos acontecendo, envolvendo menores que são utilizados pelo tráfico de drogas, menores que pegam em armas e muito mais. Tudo isto porque tem criança fora da escola, jogada nas ruas: "A rua é escola em que se aprende muito depressa!", já dizia o mestre russo em 1876, alegando que as crianças daquele tempo necessitavam mais atenção do que as de sua infância "por estarem expostas a perigos maiores". Imaginem, então, as crianças do século XXI, bombardeadas por todos os tipos de influências - boas ou más - geradas pelas modernas tecnologias, pela televisão e, nos países onde a educação não é meta prioritária, pelas malignas influências da rua, que atingem os pequeninos lançados à própria sorte, fazendo malabarismos em sinais, se expondo ao perigo dos cruzamentos e dos bandidos que se aproveitam da impunidade infantil para inicia-los na vida criminosa.
O texto é um convite a pais e educadores a ponderarem quanto à necessidade de um efetivo acompanhamento das crianças e adolescentes, de uma maior vigilância quanto às suas companhias e aos conteúdos que lhe são repassados, coisa, infelizmente, difícil,mas necessária.
O texto é um convite a pais e educadores a ponderarem quanto à necessidade de um efetivo acompanhamento das crianças e adolescentes, de uma maior vigilância quanto às suas companhias e aos conteúdos que lhe são repassados, coisa, infelizmente, difícil,mas necessária.
Leiam o texto e reflitam: se lembrem dele na hora de votar, não desperdiçando votos com candidatos não comprometidos com a educação, que negam o mísero piso salarial aos professores, como o caso do "desgoverno" de Minas, meu estado. Enquanto existir criança fora da escola, jogada nas ruas (crime dos crimes!) não podemos pensar em um país sem violência. Se lembrem deste texto, também, na educação de seus filhos. Verifiquem os sites pelos quais andam a navegar; sejam presentes sempre!
(o texto a seguir foi extraído do livro "Diário de Um Escritor", editado pela Ediouro)
(o texto a seguir foi extraído do livro "Diário de Um Escritor", editado pela Ediouro)
Cracolândia:foto extraída do Estadão
"Quero contar o que segue para não esquecer:
Uma senhora vivia com a filha de doze anos de idade, em um arrebalde de S.Petersburgo, afastado do centro. A família não era rica, mas a senhora trabalha para viver e a filha freqüenta uma escola na cidade. Vai à escola e volta de ônibus de Gostinoi Dvor até perto de casa.
Já haviam passado dois meses quando o inverno chegou repentinamente e a mãe percebeu que a filha Sacha não estudava as lições. Advertiu-a.
-Mamãe, não se preocupe! respondeu a menina. Estou perfeitamente preparada: estou, pelo menos, adiantada uma semana.
-Se assim é, está bem.
No dia seguinte Sacha foi à escola; mas ao anoitecer, o chofer do ônibus trouxe uma cartinha nos seguintes termos:
'Minha querida mãezinha: comportei-me mal durante toda a semana. Tive três zeros nas lições; enganei-te até agora. Tenho vergonha de voltar para casa e não me verás mais. Perdoa-me, querida mãezinha, perdoa-me.Tua Sacha.'
Pode imaginar-se a horrível inquietação da mãe. Quis abandonar o trabalho para correr em busca da filha. Mas onde? Como? Uma pessoa amiga ofereceu-se para dar todos os passos necessários e foi tomar informações na escola, em casa de todos os conhecidos, andando de um lado para o outro a noite inteira. O receio de que Sacha, arrependida, voltasse para a casa e fosse de novo embora se não encontrasse a mãe, fez com que esta ficasse em casa, confiando no zelo do bondoso amigo. Se não aparecesse até o amanhecer, iriam dar parte à polícia. Sozinha dentro de casa, é fácil de imaginar que horas aflitas passou.
E a mãe conta que por volta das dez da noite ouviu uns passos miúdos sobre a neve do pátio, que lhe eram bem conhecidos: passou a ouvi-los subindo a escada. Abriu a porta e Sacha entrou.
- Mamãe! mamãe! Que felicidade voltar para casa!
Cobria o rosto com as mãos; sentou-se na cama, mas como estava cansada!
Depois das primeiras exclamações de alegria, a mãe não quis chamar-lhe a atenção pelo que tinha feito.
- Mamãe! quando ontem te menti a respeito das minhas lições, resolvi não ir mais à escla e não voltar mais aqui. Se não fosse à escola seria obrigada a enganar-te todos os dias quando dissesse que lá estivera...
- E o que querias fazer?
- Pensava em andar pelas ruas o dia inteiro.. Minha roupa é bastante quente, e se sentisse frio procuraria algum abrigo. Em lugar de comer todos os dias compraria um pãozinho. Não seria grande a dificuldade para beber água, visto como agora há neve. Um pãozinho por dia seria bastante. Tenho aqui quinze copeques, e o pãozinho custa três. Seriam cinco dias.
- E depois?
- Não sei. Não pensei no depois.
- E onde irias passar a noite?
- Já tinha pensado nisso. Quando caísse a noite, iria à estação da estrada de ferro; mas longe, na estrada, onde não passa ninguém. Encontram-se muitos vagões vazios que não vão viajar. Metia-me num deles e dormia até amanhecer.
Foi assim que ali estive de noite, longe, muito longe na estrada; ali, onde já não via ninguém vi vagões separados, diferentes dos de passageiros. Escolhi um deles; ia subir, mas apenas pus o pé no estribo apareceu um guarda que gritou: "Onde vai? Esses vagões são para transportar os mortos!" Quando o ouvi dizer isso, pulei no chão e fugi. O guarda me perseguiu, gritando: "Que é que estás fazendo aqui?" Corri! corri! Achei-me em uma rua onde havia uma casa em construção. Ainda não tinha portas: os vãos estavam fechados com umas tábuas. Encontrei um ponto em que pude passar entre duas tábuas; acompanhei tateando uma parede; encontrei um canto onde havia no chão uma porção de pedaços de madeira secos e lisos. Deitei-me em cima. Apenas me havia deitado, escutei vozes perto de mim, falando muito baixo. Levantei-me e ouvi outras vozes, parecendo-me que uns olhos me olhavam da sombra; tive um medo horrível e saí outra vez a correr. Quando me vi na rua, alguém me chamou da casa em construção que eu pensava estar vazia. Estava cansada, tão cansada; continuei a andar pelas ruas. Ouvi gente a falar de todos os lados, indo e vindo. Não sabia que horas seriam. De repente me achei na Avenida Nievsky, perto de Gostinoi, e pus-me a chorar. " Ah, dizia a mim mesma. Se encontrasse algum "bom senhor" que se compadecesse de uma menina que não sabe onde passar a noite! Havia de confessar-lhe tudo e talvez me recolhesse por uma noite". Enquanto assim pensava, continuava a andar, quando descubro o nosso ônibus, que partia para a última viagem. Acreditava que há muito tempo havia partido. Pensei: quero ir para a casa de minha mãe! Subi no ônibus e como me sinto feliz por voltar à tua casa! Nunca mais te enganarei e estudarei bem as minhas lições. Mamãe, Mamãe!"
Perguntei-lhe, continuou a mãe: "Sacha, a idéia de não ir mais à escola e viver na rua ocorreu só a ti?"
- Olhe, mamãe: há muito tempo conheci uma menina da minha idade, que freqüentava outra escola. Acreditas se te disser que quase nunca comparecia às aulas? Disse-me que a escola é muito aborrecida e a rua muito alegre. Contou-me que, enquanto estava na rua, andava, andava, andava. Fazia quinze dias não tinha posto os pés na escola. Olha as vitrinas; anda pelos passeios até altas horas da noite, até que afinal tem de voltar para casa. Quando o soube, pensei: "gostaria de fazer o mesmo!" e me aborreci na escola muito mais que antes. Mas não tive qualquer intenção precisa até ontem à noite, depois de ter-te mentido. Foi então que me resolvi a fazer como fiz.
Esta história é autêntica. Naturalmente, a mãe tomou suas medidas. Quando me contaram, pensei que não seria de todo inútil fazê-la figurar em meu diário. Dirão que é um caso único, tratando-se, sem dúvida, de uma pequena muito estúpida. Mas sei que longe está de ser estúpida. Sei também que nessas almas jovens, depois da primeira infância, quando ainda não adquiriram experiência de qualquer espécie, pode nascer uma porção de sonhos mais ou menos perigosos. Essa idade (doze a treze anos) é extremamente interessante, mais na menina do que no menino. Tratando-se, porém, de meninos, vejam esta notícia que apareceu em um jornal há quatro anos: Três meninos haviam fugido do ginásio pretendendo ir para a América. Não os apanharam senão quando já estavam um pouco longe da cidade. Um deles levava uma pistola. Há vinte ou trinta anos sonhos e fantasias estranhas também passavam pelo cérebro de meninos e meninas; mas os de hoje são mais decididos. As reflexões e as dúvidas duram menos. Antigamente os meninos dessa idade pensavam em fugir para fazerem, por exemplo, uma viagem a Veneza; que lhes enchia a cabeça graças a certas novelas de Hoffmann e George Sand. (Tive um colega desse tipo). Mas não punham em execução o projeto, contentando-se em contá-lo a um companheiro, depois de tê-lo feito jurar que seria discreto. Os de hoje realizam o que os outros se limitavam a sonhar. Antigamente, certos sentimentos de dever, de obrigações para com a família, exerciam grande influência. Hoje, tudo isso perdeu muito a força que tinha.
O essencial é que não se trata de casos isolados; e não são criaturas estúpidas as que se entregam a estas fuga. Repito que essa idade é muito interessante e mereceria que os educadores lhe dispensassem mais atenção. A que perigos enormes estão expostos os nossos filhos! Preste-se atenção somente àquele ponto da narração anterior, em que a menina cansada de tanto andar, estava disposta a contar tudo a um transeunte: um bom senhor que se compadecesse da pobre criança que não sabia onde se refugiar para passar a noite. Pensem como seria fácil por em execução esse plano, que lhe revela toda a inocência. Nesta terra, os "bons senhores" enxameiam por todas as ruas. Mas, depois, no dia seguinte, que teria acontecido à menina?... Admitindo que o tal senhor fosse de certa espécie muito comum hoje em dia, era... o riso ou a vergonha de confessar... Suponhamos tivesse preferido a última. Pouco a pouco a menina ter-se -ia acostumado à lembrança daquela vergonha e quem sabe se, depois de ter pensado bastante no que se havia passado, não teria o capricho de procurar nova aventura do mesmo gênero... Aos doze anos! Adivinha-se tudo quanto viria em seguida... E essa outra menina que, em lugar de ir à escola, passa o tempo a ver as vitrinas e a andar pelos passeios das ruas, dando à primeira que encontra a idéia de novo emprego do tempo? Já ouvi antes falar de meninos que achavam a escola aborrecida e a vagabundagem cheia de encantos e alegrias. (...)A vagabundagem é uma inclinação que mais tarde se transforma em paixão doentia, cujo primeiro germe se contraiu na infância. Agora vejo que há também meninas vagabundas, evidentemente cheias de inocência a princípio. Mas ainda que fossem tão puras como os pequenos seres primitivos evoluindo em algum paraíso terrestre, não poderão fugir ao conhecimento do "bem e do mal", embora somente pequem pela imaginação. A rua é escola em que se aprende muito depressa! O essencial, repito, está em pensar até que ponto é interessante essa idade em que a inocência infantil se mistura à incrível aptidão para receber impressões, à extraordinária faculdade de assimilar toda espécie de experiência, boas ou más. É o que torna tão perigoso e tão crítico esse período da vida dos adolescentes."
Um comentário:
Obrigada por postar esse texto.Infelizente nossas crianças estão sendo neglligenciadas em direitos e perspectivas de vida.
Eu conheci seu blog através do Paperblog, mais uma grata supresa do site.
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