sexta-feira, 20 de agosto de 2010

3ª E ÚLTIMA PARTE DA CARTA 9 DE SVETLANA ALLILYEVA

Infelizmente não havia nenhum de seus familiares em Moscou, naquele ano de 1932. Pavlucha e a família Svanidze estavam em Berlim; Anna Sergueievna e o marido, em Khárkov; vovô, em Sotchi. Mamãe estava concluindo a Academia e sentia-se excessivamente esgotada.

Ela, cujos nervos eram tão fracos, não aguentava beber vinho. A bebida de fato trazia-lhe péssimos resultados. Era por isso que não gostava e tinha medo quando os outros bebiam.

(Papai contou-nos, certa vez, como ela havia passado mal após uma noitada na Academia. Voltou para casa doente, porque havia bebido um pouco. Teve cãibra nas mãos. Ele a pôs na cama e ficou a seu lado, consolando-a. Ela, então, dissera: "Apesar de tudo, você gosta um pouquinho de mim!" Isto foi-me contado por ele mesmo, depois da guerra. Nos últimos anos, ele referia-se a ela com mais freqüência, buscando sempre os "culpados" pela sua morte).
Meu último encontro com ela ocorreu quase na véspera de sua morte, em todo caso um ou dois dias antes. Ela chamou-me ao seu quarto, acomodou-me em sua cama turca favorita (todos os que viveram no Cáucaso não podiam passar sem essa tradicional cama) e,longamente, procurou incutir-me como eu deveria ser, como deveria proceder". "Não beba vinho! - dizia-me ela -, nunca beba vinho". Isso era o reflexo de sua eterna discussão com papai, que, segundo os hábitos caucasianos, sempre nos dava, às crianças, um bom vinho de uva para beber. A seus olhos, isso era um começo que não resultaria em nada de bom. Ela devia ter razão: meu irmão Vassily acabou destruído pelo alcolismo.
Eu me demorei muito na sua cama turca naquele dia. E, como os meus encontros com mamãe eram raros, guardei bem este último.

"Apesar de tudo, você gosta um pouquinho de mim", dissera ela a papai, ao qual, apesar de tudo, nunca deixou de amar...Ela o amava com todas as forças de sua natureza inteira, de quem só ama uma vez na vida, e não obstante a revolta de seu raciocínio, seu coração foi conquistado uma única vez e para sempre. Além do mais, era muito apegada ao lar Para ela , o marido, a casa , os filhos e o seu dever para com eles, tinham demasiada importância. Por isso - penso assim - dificilmente teria deixado papai, embora tivesse pensado nisso mais de uma vez. Dificilmente... Ela não pertencia ao gênero das mulheres inconstantes, pois era muito severa consigo própria.

Chamavam-na "severa", "séria"demais para sua idade - ela parecia mais velha do que era, apenas por ser excepcionalmente controlada, prática e não se permitir "relaxamento". As visitas de vovóe de Anna Sergueievna irritavam-na - segundo a babá - precisamente porue aquelas duas mulheres, bondosas e francas, exigiam dela franqueza. Para elas mesmas era tão natural queixar-se e chorar. E mamãe não suportava isso.

Este autocontroe, esta terrível auto disciplina e tensão interiores, esta insatisfação e irritação, acumulados internamente, que a comprimiam por dentro cada vez com mais força, como u'a mola, deviam, afinal, terminar inevitavelmente, numa explosão; a mola deveria romper-se com uma força terrível...

Foi o que aconteceu. E o pretexto propriamente dito não teve importância alguma. E não impressionou particularmente a ninguém: podia-se dizer mesmo que "pretexto não houve". Afinal, tudo que houve foi uma pequena alteração, no banquete em homenagem ao XV Aniversário da Revolução de Outubro. "Tudo" o que papai disse foi: "Ei, você, beba!" Tudo" o que ela exclamou foi: "Eu não sou suaEI"!, e levantou-se, diante de todos, deixou a mesa e foi para fora.

Minha babá, pouco antes de morrer, quando pressentia que lhe restava pouco tempo de vida, começou, um dia, a me contar como tudo se passou. Ela não queria levar isso consigo, sentia vontade de lavar a alma, de confessar-se. Estávamos no pequeno bosque, próximo à casa de campo, onde escrevo agora, e ela falava.

Carolina Vassílievna Till, governanta de nossa casa, costumava, de manhã acordar mamãe, que dormia seu próprio quarto. Papai dormia em seu gabinete ou saleta do telefone, ao lado da sala de jantar. Naquela noite ele dormiu aí, tendo voltado tarde da noite, após aquele mesmo banquete, do qual mamãe havia voltado cedo.

Estes quartos ficavam longe das dependências dos domésticos. Para ir ali era preciso atravessar um corredorzinho em frente dos nossos quartos (das crianças). Indo da sala de jantar, era preciso andar à direita e atravessar também esse corredorzinho. As janelas do quarto dela davam para o jardim de Aleksandrov e para os portões da Tróitsa(*).(Se hoje ficarmos ao lado dos bilheteiros do teatro do Palácio do Congresso e olharmos um pouco à direita do mesmo, através do jardim de Aleksandrov, veremos o Palácio de Diversões, construído dentro do antigo estilo russo. O seu telhado é pontiagudo e suas janelas dão para o jardim. Para lá davam também as janelas dos aposentos de mamãe. Eu não gosto de olhar naquela direção...)
ver mais fotos do local em http://www.stabrovsky.ru/photography/2008/alexgarden
Como hábito, Carolina Vassílevna preparou oo desjejum na cozinha de manhã cedo e foi acordar mamãe. Trêmula de pavor, ela veio correndo ao nosso quarto e chamou a babá. Não podia falar. Saíram juntas. Mamãe jazia, ao lado da cama, coberta de sangue, segurava na mão uma pistola "Walter", trazida de Berlim, certa vez, por Pavlucha. O estampido da arma era muito fraco para ser ouvido na casa. Ela já estava fria. As duas mulheres, exaustas de terror de que papai pudesse entrar ali, nesse momento, colocarm o corpo na cama e o arrumaram. Depois, sem saber o que fazer, correram para telefonar às pessoas que, para elas, eram mais importantes - ao comandante da guarda, a Avel Sofrônovitch Enukidze, a Palina Semiaõnovna Molotova, amiga íntima de mamãe...

Rapidamente, todos acorreram ao local. Papai continuava dormindo, em seu quartinho, à esquerda da sala de jantar. Haviam chegado V.M.Molotov, K.E.Vorochílov. Estavam todos chocados e não podiam acreditar...

Papai, finalmente, veio para a sala de jantar. "Iossif, Nadya não se acha mais entre nós" - disseram-lhe.
Foi assim que a babá me contou. Eu confio mais nela do que em qualquer outra pessoa. Primeiro, porque ela era uma pessoa absolutamente sem malícia. Segundo, porque o seu relato era a sua confissão diante de mim, e uma mulher simples, autêntica cristã, não , não pode mentir nesses assuntos, jamais...

Paulina Semiõnovna Molotova Jemtchujina) contou-me algo muito parecido sobre o mesmo fato. O seu relato coincidiu no tempo , com o da babá - isso foi em 1955. Palina Semiônovna mesma voltararecentemente do desterro no Kazaquistão, onde tinha passado 4 anos (de 1949 a 1953a0.

Palina Semiônovna estava naquele mesmo banquete de novembro, onde se achavam mamãe e os demais. Todos foram testemunhas da altercação e da saída de mamãe, mas ninguém deu aquilo maior importância. Palina Semiônovna saiu com ela, para não deixa-la completamente sozinha. Saíram, deram várias voltas em torno do Palácio do Kremlin, passeando, enquanto mamãe se acalmava.

"Ela acalmou-se e já estava conversando sobre os seus afazeres na academia, sobre as perspectivas de trabalho, que tanto a alegravam e a ocupavam. Papai era grosseiro e a vida com ele era-lhe difícil. Todos o sabiam. Contudo, eles já tinham vivido não poucos anos juntos e havia as crianças, a casa, a família. E todos gostavam tanto de Nadya... Quem poderia imaginar! Claro que não era um casamento ideal, mas será que existe tal coisa?

"Quando ela afinal se acalmou - contava Palina Semiônovna - nós nos separamos, indo cada qual para sua casa, dormir. Eu estava plenamente persuadida de que tudo estava bem, de que tudo se normalizara. E, de manhã, recebemos ao telefone a pavorosa notícia...".
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(*) Santíssima Trindade

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