quinta-feira, 19 de agosto de 2010

2ª PARTE DA CARTA N.9 DE SVETLANA ALLILUYEVA, A FILHA DE STALIN - PARTE 2

Svetlana e a filha Olga

Aqui, Svetlana continua falando de sua mãe. E fala de tal forma que dá para a gente sentir todo o drama que deve ter sido para ela sua condição de mulher do "homem de aço".
Yacha amava e respeitava muito minha mãe, gostava de mim, dos pais de mamãe. Vovô e vovó protegiam-no como podiam. Mais tarde ele partiu para Leningrado, onde passou a morar na casa do avô Serguei Yakovlevitch.

Guardei comigo muitas fotos. Olhando-as, posso lembrar-me de tudo mais. As fotos diante de mim vão crescendo, colorindo-se, as figurs movendo-se e as escuto conversando entre si,...São, para mim, cenas imóveis de um filme. Ao olha-las, é como se eu assistisse a um filme passando na tela de um cinema, pois eu, em outros tempos, já o tinha visto...

Nas fotos batidas de piqueniques familiares no bosque, dos quais todos gostavam, tanto papai como mamãe, todos estão alegres e risonhos. Muitas fisionomias alegres, felizes, saudáveis. Papai tem uma aparência bem mais jovem, deslumbrante, florescente. Todas as mulheres com vestidinhos modestíssimos, mas como eram belos, sadios e atraentes os seus rostos.
Mamãe, na varanda de nossa casa em Zubálovo, à mesa com Ana Sergueievna, à mesa com Zina Ordjonikidze.
casa em Zubálovo
Mamãe no jardinzinho de Sotchi, a família de Orakhelachvili(*) em espreguiçadeiras, o tio Avel Enukidze aplainando um pedacinho de bambú.
Mamãe na Criméia, em Mukholatka, onde iam meus pais para descansar à beira mar, e da água emergem os focinhos de meu irmão Vassily e de seus amigos Artiom Sergueievitch e Jênya Kursky, com chapeuzinhos de palha na cabeça.

Mamãe no terraço em Mukholatka, ao lado dos leões brancos de mármore. Traz um vestido reto, como um robe, segundo a moda da época, com um decote carré e de mangas curtas. Está bronzeada e seus cabelos lisos, penteados, presos em coque. Mamãe em Zubalovo, na picada do bosque que leva ao portão.

Da Turquia haviam chegado "altos visitantes.E Vorochilov, V.N.Molotov, M.M.Litvinov - também estavam ali, e todos a passeio, ; videntemente, todos eram "recepcionados"por papai.

Stalin e Molotov
Eu também me achava ali.
Svetlana
Mamãe com um xale nos ombros, seu rosto está tenso. Ela está observando para que eu me "comporte bem".

Mamãe, de novo, com o xale nos ombros, sentda à mesa em Zubalovo. Esta foto foi ampliada, após sua morte, por desejo de papai. Fotos imensas foram distribuídas nas paredes de todas as dependências de nossa nova residência no Kremlin.
Aqui, mamãe está tão feliz, tão radiante que, ao olharmos esta foto, torna-se inconcebível, impossível de compreender o destino que, mais tarde, ela teve. Eis por que muitos não entendiam e não acreditavam...

Contudo, com o decorrer do tempo,
as fotos foram-se tornando cada vez mais tristes. Os bons retratos feitos por N.A.Svíchov-Paola, em Moscou, já estão repletos de tristeza. Neles, ela parece uma madona indiferente à agitação e ao mundo. O seu rosto está fechado, orgulhoso e triste. Dá medo aproximar-se dela. Não se sabe se ela vai falar com a gente. E é tal a amargura do seu olhar, que hoje não tenho coragem de colocar o seu retrato no meu quarto e contempla-lo; é tal a amargura nele contida que, à primeira vista, se torna claro para todos que são olhos de uma pessoa condenada, de uma pessoa que está sucumbindo, que necessita de ajuda. Por que, penso agora, que ninguém se precipitou para socorre-la? Porque ninguém previu o fim daquilo tudo?


Mamãe sempre foi muito fechada e orgulhosa. Detestava confessar que estava mal. Não gostava de discutir seus problemas pessoais com ninguém. Isto era motivo de ofensa para minha avó e para a sua irmã, Anna Sergueievna.

Os Allilyev(família de Nadezhda)
Ambas eram extremamente francas, sinceras - o que tinham na cabeça, ia para a língua.

Agora que eu mesma já sou adulta, compreendo-a mais e, até mesmo, os menores detalhes e linhas de sua vida, que às vezes escapam ao relato dos estranhos, dizem-me muito.

A irmã de mamãe, Anna Sergueievna, contou-me, recentemente, que nos seus últimos anos de vida mamãe pensava, cada vez mais freqüentemente, em abandonar papai. Anna Sergueievna sempre diz que mamãe era" u'a mártir", que papai era para ela um homem por demais ríspido, grosseiro e desatencioso, e que isto irritava terrivelmente mamãe, a qual amava-o muito.
Um belo dia, ainda em 1926, quando eu tinha apenas meio ano de idade, meus pais tiveram uma briga e mamãe foi para a casa do vovô juntamente comigo, meu irmão e a babá, para não mais voltar. Ela pretendia encontrar um emprego e, aos poucos, construir para si uma vida independente. A briga foi provocada pela rudeza de papai e o motivo era insignificante. Mas parece que aquela irritação já se vinha acumulando há mais tempo. Entretanto, a ofensa passou.
A babá contou-me que papai havia telefonado de Moscou, querendo vir ao nosso encontro para "fazer as pazes"e levar todos de volta para casa. Mas mamãe respondeu-lhe ao telefone, não sem uma pérfida ironia: "para que vir até aqui?Isso custará muito caro ao governo! Eu mesma voltarei!
E todos voltamos para casa...

Anna Sergueievna conta que, precisamente nas últimas semanas em que mamãe estava terminando a Academia, ela tinha planos de ir embora para a casa da irmã, em Kharkov - era lá que Redens atuava, na Tcheka ucraniana - a fim de encontrar uma colocação em sua especialidade e ficar morando por lá. Anna Serguieievna não se cansa de repetir que esta era uma idéia fixa de mamãe, que ela queria libertar-se de sua "alta posição", que a oprimia. Isso é muito verossímil. Mamãe não pertencia à classe das mulheres práticas. Aquilo que sua "posição" lhe "proporcionava"nada representava para ela. Poucos poderiam compreende-la, sobretudo as mulheres práticas e sensatas (como por exemplo a minha ex-sogra, Z.A. Jdânova), que chamavam mamãe de "alienada", pois não havia razão alguma para que ela se consumisse e sofresse tanto. Qualquer uma delas se conformaria com qualquer coisa, desde que conservasse, para sempre, aquele "lugar lá em cima", oferecido pelo destino.

mamãe ficava constrangida de ir à Academia de carro. Acanhava-se de revelar quem era ela (muitos ignoravam, durante longo tempo, com quem Nadya Allilueva era casada).
Naquele tempo a vida era bem mais simples. Papai ainda andava a pé pelas ruas, como qualquer um (é verdade que ele sempre gostou mais de andar de carro). Mas mesmo isso parecia a ela uma exibição excessiva, que o destacava dos outros. Ela acreditava honestamente nas normas e condutas da moral do Partido, que determinava a seus membros um nível de vida modesto. Esforçava-se por seguir esta moral, porque era mais próprio dela, de sua família, de seus pais e de sua educação.

Com referência a isto, existe um exemplo muito característico. Após a morte de Lenin (antes, talvez), o Comitê Central determinou que os membros do Partido não tinham direito a receber honorários pela publicação de artigos sobre o Partido e pelos livros e que estes recursos deveriam reverter em benefício do Partido. Mamãe não gostou desta medida, porque achava que era melhor receber por aquilo que realmente foi ganho com seu trabalho do que, interminavelmente, sem limite algum, meter a mão no bolso do governo e retirar tudo de lá para suas necessidades domésticas, para casas de campo, carros e manutenção de empregadas, etc. Naquela época, mal começava o sistema de sustentar os membros do partido com recursos públicos. Graças a Deus, mamãe não chegou a presencia-lo, e não chegou a testemunhar como, mais tarde, nossos mais ilustres membros do Partido, recusando-se a receber honorários pelo trabalho partidário, montaram nas costas do governo como todos os seus familiares, domésticos e até parentes distantes.

Tudo se resumia em que mamãe tinha uma concepção própria de vida, a qual ela defendia com obstinação. O compromisso não fazia parte do seu caráter. Ela pertencia à jovem geração da revolução, aqueles lutadores entusiastas dos primeiros planos qüinqüenais, convictos construtores da nova vida, eles mesmos gente nova que tinham uma crença sagrada em seus novos ideais do hmem liberto, pela revolução, da mesquinhez e de todos os vícios anteriores. Mamãe acreditava em tudo isto, com toda a força do idealismo revolucionário e, na época, ela estava rodeada de muitas pessoas que, com seus atos e condutas, confirmavam a sua fé. E, dentre eles, o mais representativo do alto ideal do novo homem, do revolucionário, pareceu-lhe ser, em certo período, papai. Foi assim que ela o viu, com os olhos de uma jovem ginasiana, quando ele acabava de retornar da Sibéria - o revolucionário inflexível, amigo de seus pais. Assim o foi para ela durante muito tempo, mas nem sempre...

Stalin
Penso que foi justamente por ter sido ela uma mulher inteligente, infinitamente justa, em seu íntimo, que compreendeu , afinal, de todo o coração, não ser papai o novo homem que, como tal, lhe pareceu em sua juventude e, então, lhe sobreveio uma terrível, devastadora desilusão.

Minha babá contava-me que, pouco antes de sua morte, mamãe estava muito triste e irritadiça. Sua colega veio visita-la e elas ficaram conversando no meu quarto de menina (era ali a "sala de visitas"da mamãe) e a babá ouviu-a repetindo que "era tudo enfadonho", "tudo aborrecido", que "nada a alegrava mais". Sua amiga indagava: "Bem, as e as crianças?". "Tudo, mesmo as crianças", dizia mamãe. E a babá compreendeu, então, que sendo assim, isso significava realmente que ela estava cansada de viver... Mas nem a babá nem todos os demais poderiam imaginar que, dentro de alguns dias, ela atentaria contra a própria vida...

PRÓXIMA PARTE DESTA CARTA - A,AMANHÃ
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(*) presidente do Conselho de Comissários do Povo da Geórgia, preso em 1937

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