domingo, 26 de fevereiro de 2017

Tchernichevski e o livro que influenciou Lenin: "O que fazer?"





 Muitíssimo conhecido na Rússia, Nicolai Thernichevski é pouco ou nada conhecido no Brasil, o que me faz iniciar este post por uma rápida biografia dele, extraída do livro "Literatura e Revolução", de Liev Trotski:
" (1828/89). Jornalista, revolucionário, crítico e romancista radical. Sua oposição jornalística ao regime czarista tornou-o famoso. Influenciado filosoficamente por Hegel e Feuerbach, desenvolveu suas ideias radicalistas independentemente de  Marx. Seu ensaio de 1855, "As relações estéticas da arte com a realidade", afirmava que os verdadeiros árbitros da beleza eram os indivíduos comuns. Crítico em relação às limitações existentes na emancipação dos servos por Alexandre II em 1861, seu periódico "Sovremennik" (O Contemporâneo) foi fechado várias vezes. O romance "O que deve ser feito" (1) (1862) se propõe a ser um rival radical de "Pais e filhos", de Turguêniev. Foi mandado para o campo de trabalhos forçados em 1864. A isso se seguiram 12 anos de exílio no vilarejo ártico de Irkutsk. Foi uma grande inspiração para muitos socialistas do século XX".
Foi inspiração, também, para Lenin e foi isto, ainda, que tornou "O que fazer" um dos romances russos mais influentes do século XIX, influenciando, além da intelectualidade,  a sociedade russa, bem mais do que as obras de Tolstoi, Dostoievski e Turguêniev, de acordo com citação de Joseph Frank, na contracapa da obra traduzida no Brasil.


Tchernichevski escreveu este romance na prisão e conseguiu um feito incrível, que foi o de driblar a censura imperial, que deve ter lido a obra "como uma simples história de libertação feminina", de acordo com Segrillo,tradutor do romance. Para conseguir passar pelos censores, o autor escreveu uma obra de pregação revolucionária de forma cifrada e cheia de simbolismos. A censura deu  permissão para que o livro fosse editado, sem perceber que aquela história, aparentemente ingênua, de uma mulher em busca da felicidade e de sua independência, pudesse despertar na intelectualidade russa tamanho fervor revolucionário. O livro se tornou, posteriormente, já na URSS, leitura obrigatória nas escolas e, até hoje, é muito lido pelos russos.
 
Espero que este post desperte, naqueles que ainda não tiveram contato com este livro, o desejo de conhece-lo. 

Lenin disse que esta foi uma das obras que mais o impressionou, conforme Segrillo, na introdução  da edição brasileira de "O que fazer". E, realmente, deve ter ficado mesmo muito impressionado, tanto que escreveu, em 1902, o seu próprio livro com o mesmo título do de Tchernichevski (você poderá ler  no link para o qual o direcionamos aqui), onde discute questões práticas da revolução.




A história de Tchernichevski gira em torno de um triângulo amoroso entre  Vera Pávlovna, uma mulher que se sentia oprimida pela mãe, Dmitri  Lopukhov, que a salva da sua "prisão", se casando com ela e Aleksandr Kirsanov, melhor amigo de Lopukhov. E, entre outros personagens, alguns muito importantes, como Rakhmetov, que o tempo todo me passou a ideia de ser o próprio Lenin, está o Narrador, que dá sempre "dicas" que podem levar o leitor a enxergar um pouco mais além daquilo que é narrado. 

  Algumas partes do livro deixam mais clara a ideia socialista, sendo quase um roteiro a ser seguido, tal como nas partes em que discorre sobre os ateliês abertos pela personagem Vera Pávlovna, onde ela emprega o "novo sistema"; as moradias comunitárias dos trabalhadores dos ateliês, as lojas abertas para atender às funcionárias, verdadeiras cooperativas, sugerindo, inclusive, as vantagens do planejamento econômico como "organização racional", dizendo que com o
"novo sistema" implantado nos ateliês, as trabalhadoras eram mais felizes, realizavam melhor seu trabalho, geravam mais renda e produziam com mais economia, já que "trabalhavam para si mesmas. São seus próprios patrões. Por isso recebem aquela parte do lucro que ficaria com o dono do estabelecimento."

O que fica muito claro em toda a narrativa é o poder transformador que ocorre quando os trabalhadores usam recursos e esforço em seu próprio benefício.
 
 Em alguns trechos, o autor usa linguagem onírica,através do relato de sonhos de Vera Pávlovna. Tal linguagem é repleta de significados e simbolismos e foram, para mim, alguns dos pontos altos da obra, que me fazem concordar com Segrillo, quando diz que 
"se por um lado Tchernichevski não está no mesmo patamar literário elevado de autores como Dostoievski e Tolstoi, por outro seu romance talvez tenha tido seu valor algo subestimado".
E Segrillo continua advogando, com justiça, em prol de Tchernichevski:
" É preciso notar que, ao contrário de Dostoievski e Tolstoi, Tchernichevski tinha a nada fácil tarefa de fazer passar pela terrível censura czarista uma obra que pregava a revolução. Isso o obrigava a usar enredos e linguagem esópica, ou seja, não podia escrever exatamente como faria se estivesse livre".
Aos que estão aprendendo russo ou já conhecem o idioma, deixo aqui o livro nesta língua (copie e cole o link na barra de seu navegador): 
 
https://mybook.ru/author/nikolaj-gavrilovich-chernyshevskij/chto-delat-1/reader/




  Tradutor: Angelo Segrillo
Editora Prismas
Preço: R$ 70,00

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Notas da Milu:

(1) Em russo, Chto delat', traduzido para "O que fazer", de acordo com a tradução da obra por Angelo Segrillo, Ed.Prismas.

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