Muitos hão de estranhar o fato de um dos maiores revolucionários do século passado ter escrito um livro sobre literatura, apesar de estar abordando o assunto sob a ótica revolucionária. Mas Trotski entendia profundamente do tema e escreveu o livro logo após a Guerra Civil russa (1918/21), entre os anos de 1922 e 1923, em um momento de 'férias'...Além de entender, ele valorizava a arte a tal ponto, que deixou registrado no livro o seguinte trecho:
"..a solução dos problemas elementares - alimentação, vestuário, habitação e educação básica - de forma alguma significaria a vitória total do novo princípio histórico, isto é, do socialismo. Só o progresso do pensamento científico em escala nacional e o desenvolvimento de uma nova arte mostrariam que a semente histórica não só germinou, mas também floresceu. Nesse sentido, o desenvolvimento da arte é a maior prova da vitalidade e importância de cada época".
Editado no Brasil pela Zahar Editores, com tradução de Moniz Bandeira, o livro tem 250 páginas, nas quais Trotski revela seus conhecimentos literários, analisando a produção artística de sua época e, neste aspecto revela, também, suas divergências com os rumos tomados pela Revolução sob a direção de Stalin: um dos pontos básicos é ir contra a idéia de que o Partido-Estado deveria orientar formas e conteúdos da produção artística. Ele refuta a noção de uma "cultura proletária(prolekult), tão defendida por Stalin.Acreditava que o movimento "prolekult" se baseava em mal-entendidos e ilusões, mas defendia seu direito de existir.Esta oposição é coerente com sua idéia de "fim das classes": a ditadura do proletariado seria algo necessário apenas enquanto o proletariado precisasse se defender e isto deveria ser por um período breve:
"Contrariamente ao regime dos possuidores de escravos, de senhores feudais e de burgueses, o proletariado considera sua ditadura como um breve período de transição... Mas o proletariado irá se dissolver na sociedade socialista, se libertar de suas características de classe, isto é, deixará de ser proletariado...O proletariado tomou o poder precisamente para acabar com a cultura de classe e abrir caminho para uma cultura da humanidade. Ao que parece, esquecemos isto frequentemente".
Utópico ou não, certo é que isto deixa clara sua posição a respeito do assunto "arte proletária".
O livro mostra, em páginas subseqüentes, a contradição deste pensamento de Trotski, expressado num momento em que o Estado socialista ainda era incipiente, mas foi a partir desta opinião que ele construiu sua tese em defesa da maior liberdade possível para a produção e recepção literárias.
"O proletariado,durante o período de sua ditadura, deve marcar a cultura com o seu selo(...)Isto não significa o desejo de dominar a arte por meio de decretos e prescrições. É falso que só consideramos nova e revolucionária a arte que fala do operário. Não passa de absurdo dizer que exigimos dos poetas apenas obras sobre chaminés ou sobre uma insurreição contra o capital. O lirismo tem incontestavelmente o direito de existir na nova arte, por menor que seja sua esfera de ação. Ninguém imporá, nem se atreverá a impor aos poetas uma temática. Escrevam, então, tudo o que lhes vier a cabeça!".
Ele argumentava, ainda, que o Prollekult reduzia todo o valor estético ao mais rudimentar conteúdo político e social. e que esta postura era condescendente com os novos escritores de classe operária, privando-os do conhecimento cultural e da prática de que precisam para desenvolver uma nova arte.
Ele sabia do atraso cultural dos operários e camponeses, por séculos de dominação tzarista e da defasagem entre eles e a intelectualidade literária então existente, por isso desejava que aqueles que pregavam com muita ênfase uma 'arte proletária' não fingissem que tudo o que eles escreviam era obra de arte. Eles deviam ser capacitados através do estudo e cultivar seus próprios padrões de julgamento. Deviam estudar tudo o que a boa literatura russa havia produzido, bem como tudo o que foi produzido pela literatura internacional:
"Seria pueril pensar que as belas artes burguesas possam abrir brechas na solidariedade de classes. O que Shakespeare, Goethe, Puchkin e Dostoievski darão ao operário será, antes de tudo, a imagem mais complexa da personalidade, de suas paixões e sentimentos. O operário, afinal, se enriquecerá".
Mais adiante, ele afirma que
"não existe, ainda, arte revolucionária. Há elementos dessa arte, sinais, tentativas de realiza-la."
Quanto à arte socialista, aí então é que não existia mesmo: ainda lhe faltavam, segundo Trotski, as bases necessárias(isto entre 1922 e 1923).
Pouco mais de um ano após a publicação deste livro, Trotski foi forçado por Stalin e seus seguidores a se demitir do cargo de chefe do Exército Vermelho. Três anos depois, foi expulso do Partido Comunista, partindo para o exílio, onde foi assassinado.
O leitor vai encontrar no livro, ainda, comentários e, por vezes, análises pormenorizadas sobre vários escritores russos. Critica outros tantos, como Andrei Biely, que particularmente adoro: acusa Biely, o autor do fantástico "Petersburgo"por seu simbolismo, misticismo e, principalmente, por ser um anti-revolucionário, dando como prova disto o pseudônimo por ele escolhido - Biely(em russo significa branco) e diz que a Rússia pós revolução está muito afastada da Rússia de Biely, de Iasnaia Poliana(terras de Tolstoi), dos latifundiários e dos burocratas.
No final do livro, você encontra uma cronologia da vida do autor e um glossário, no qual existem pequenos resumos biográficos de muitos autores, políticos, filósofos, pensadores, etc. Trás, finalmente, sugestões de leitura, além de três brilhantes ensaios de Trostsky sobre Mayakovski, Iessênin e Lunatchárski.
Excelente, valendo ela em si por um livro, é a apresentação feita por William Keach.O preço do livro também não é dos mais caros:R$ 42,00.
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