terça-feira, 10 de agosto de 2010

ALMAS MORTAS: UM BREVÍSSIMO COMENTÁRIO

Puchkin deu a Gógol a trama que ele próprio queria fazer, algo parecido com um poema. O resultado foi o genial romance "Almas Mortas", que só seria possível em um país onde existisse servidão e burocracia: Gogol descreve uma cidade provinciana, alegorizando a figura dos proprietários de terra desta província, os "proprietários da vida", que respondem pela sorte do povo.

O autor revela as características gerais dos senhores escravocratas, que muitas vezes reconheciam nos personagens de "Almas Mortas" a si próprios. Traça, também, as características gerais do funcionalismo público da época, corrupto, inapto e inconseqüente.
Seus personagens não representam pessoas insignificantes, ao contrário, neles estão reunidos todos os traços de quem se julga superior aos demais. São os representantes da alta sociedade inútil, desprovida de valores relativos ao dever cívico e à honra, desprovidos de consciência.A relação dos proprietários de terra com as negociatas de Tchitchikov- personagem central da trama - denota o egoísmo e a indiferença para com os interesses sociais: eles sofrem de deformidade espiritual e moral.

A temática se desenvolve à época do fim do poder da nobreza patriarcal em seu país.
A síntese da história é que,
a cada cinco anos, todo proprietário rural era obrigado a comunicar às autoridades do fisco quantos camponeses possuía, ou quantas almas possuía, pois assim eram chamados os camponeses, que trabalhavam em regime de servidão. Com base neste número era fixado o patrimônio do proprietário e os impostos por ele devidos nos próximos cinco anos, independente do número de baixas ou de aquisições que ocorresse no período. Não se considerava mortes por guerra, peste ou o que quer que fosse e isto poderia ser um prejuízo para alguns proprietários. Já dá para imaginar as falcatruas que um sistema destes poderia causar e o alcance de um romance que abordasse tal tema!

Tchitchikov teve a idéia, que concretizou, de viajar toda a Rússia em busca de "almas mortas", que ainda constavam dos registros. Pagava preços insignificantes por ela e deixava seus proprietários curiosos de saber para que serviriam tais almas. Não desconfiavam que o objetivo do malandro era, com isto, se tornar, também, um proprietário de grande número de almas, que seriam "transferidas"(apenas no papel, é óbvio), para algum lugar remoto da Rússia. Sendo proprietário de tantas almas, não lhe seria difícil obter junto aos bancos, volumosos empréstimos, que tinham como garantia sua propriedade fictícia. Em torno de Tchitchikov Gogol criou uma galeria de personagens interessantes e todos cheio de um humor fino. Aliás, a história tem esta característica de tratar de um tema sério permeada de humor.É uma mistura que deu certo entre o cômico e o trágico.
Quando comecei a ler o livro, há alguns anos atrás, confesso que tive preguiça, pois seu início é pleno de cenas descritivas, que me davam sono (agora isto me soa meio que sacrílego!). Larguei o livro de lado e só o retomei alguns anos depois. Incrível como a coisa foi diferente, nesta segunda vez. Passadas algumas páginas bastante descritivas, mas que me impus a ler esperando o que viria depois, comecei a me fascinar pela leitura e a perceber que, justamente aquelas partes de descrição detalhada é que continham tudo o que mais amo: a Rússia, que o autor percorre, através de seu personagem principal e retrata de maneira fotográfica.

Os personagens são incríveis, a começar por Tchitchikov. Nele, Gogol descreveu um tremendo cara de pau, trambiqueiro de primeira, dava até para pensar que ele é brasileiro! Ironia a parte, este personagem é perfeito e, em torno dele, Gogol teceu a temática que lhe foi sugerida por Puchkin com uma maestria digna de um gênio!Via Tchitchikov, o autor faz uma profunda reflexão sobre a moral e a ética daquele tipo de sociedade que, diga-se de passagem, serve muito para a nossa sociedade. Basta fazer pequenas adaptações e pronto: o romance cabe direitinho para nossos dias...

Cada um destes personagens tem uma característica marcante e é a partir de tais características que Gogol formou os seus nomes, a começar pelo nome do personagem central:
de acordo com o dicionário "Grande Tolkoviy", Tchtchikov significa:
pessoa que persegue a abundância e prosperidade a qualquer preço;pessoa que devota a vida à aquisição de riqueza, vantagens, lucro.

Para dar nomes a outros personagens segue a mesma técnica. Assim, tem-se:
  • Manilov: nome que evoca gentileza, boas maneiras.
    O personagem Manilov participa de negociações sempre rápidas e cordiais com Tchitchikov, concordando em lhe ceder, sem cobrar nada, todos os servos mortos.
    Gógol formou este nome a partir do verbo"manit'", que significa atrair ou seduzir. De acordo com o Dicionário Russo de Sinônimos
    , a palavra Manilov significa sonhador, maquinador, que fantasia, utópico. Relativo a autor de projetos atraentes, cativantes, fascinantes, encantadores, mas impraticáveis.
Tem ainda a velha Korobotchka,

"uma daquelas matronas, pequenas proprietárias de terras, que vivem queixando-se das más colheitas e dos prejuízos, andavam de cabeça inclinada para um lado, e no entanto vão juntando dinheirinhos em sacolas de pano, distribuídas pelas gavetas das cômodas. Num saquinho separam só os rublos de ouro, noutro as moedas de meio rublo, no terceiro as de um quarto, embora à primeira vista pareça que não há nada nas gavetas além de roupa-branca e camisetas, novelos de linha e uma velha bata descosturada destinada a ser transformada em vestido, se o vestido velho, por acaso, ficar queimado durante a assadura de panquecas festivas com recheios variados ou ficar puído por si mesmo. Mas o vestido não ficará queimado ou se desgastará por si mesmo; a velhinha é cuidadosa e o destino da bata é jazer por muito tempo na gaveta, em forma de panos descosidos, para depois caber, por testamento, à sobrinha-neta, junto com toda a sorte de outros trastes".

Pela descrição que o autor faz da velha, já dá para perceber que é daquelas bem avarentas. Daí, Gogol ter lhe dado o nome de Korotchka,

diminutivo de "korobok", que significa caixa, baú e é derivado de "korob" -saco.Ela é tão aavarenta e tola, que teme fazer um mal negócio vendendo as almas mortas e pechincha até conseguir uma redução no preço.

A galeria de nomes criativos não para por aí:

Sobakiêvitch: caráter grosseiro, algo canino, derivado da palavra Sobaka=cachorro.
Pliuskin, derivado da palavra "pliushkin", que siginifica avarento, mesquinho, sovina.
Nazdriov: insolente
Finalizo este post com uma frase de Thitchikov para justificar seu ato e que mostra a atualidade da obra: parece até ter sido proferida por algum político brasileiro...
-o único a perder alguma coisa é o Estado e o Estado não tem rosto, é apenas um princípio.

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