domingo, 4 de abril de 2010

O METRO DE MOSCOU / TEXTO VICTOR PELEVIN



Céu subterrâneo
O Metrô ainda permite ao moscovita sonhar.
O Metrô de Moscou talvez seja o único meio de transporte do mundo que tanto interesse causa aos turistas, tanto quanto os museus e monumentos arquitetônicos - uma verdadeira obra prima da arte soviética, planejada não como meio de transporte, mas como algo que deveria transformar a consciência das pessoas e transporta-las de sua cotidiana rotina para a esfera ideológica.

A história da construção do metrô começou nos anos trinta sendo - sem paradoxos, o primeiro Estado ateu no mundo a se orientar, com isto, rumo à herança religiosa da antiguidade. Assim, o metrô lembra ou o complexo de templos subterrâneos, através do qual os crentes eram transportados de um santuário ao outro, ou as catacumbas romanas, onde se reuniam os primeiros cristãos, surgindo uma civilização em substituição a outra da antiguidade.
Também a catacumba de Moscou, decorada com mármore e granito, com aço resplandecente e com cristais, deveria se tornar o berço de uma nova sociedade, mas a construção do socialismo começou enterrada.

Estranho híbrido

A primeira estação do metrô de Moscou é um estranho híbrido dos santuários astecas e templos gregos. Nos nichos das paredes, no lugar dos deuses se encontram estátuas de heróis: marinheiros em armas, soldados e camponeses com suas alpercatas de bronze. A estética do metrô não é, de modo algum, o resultado do livre trabalho de criação artística, estando entrelaçada com intrincadas razões políticas. Antes da inauguração da estação “Praça da Revolução”, por exemplo, o comitê ideológico queria retirar de lá estátuas que mostravam o cidadão soviético em posição quase que de joelhos, mas o próprio Stalin impediu a retirada alegando que as estátuas pareciam ter vida.
As estátuas de bronze sobreviveram a Stalin e à União Soviética, os canos de seus revólveres polidos por milhões de mãos ainda estão apontados para a multidão.
Dois tipos de estátuas habitam o Metrô de Moscou: a de escritores e poetas do panteão da cultura soviética e a de heróis anônimos da guerra e do trabalho. Os mosaicos nas estações do metrô são freqüentemente ornamentos geométricos abstratos, nos quais estão entrelaçados símbolos soviéticos como a foice e o martelo ou a estrela de cinco pontas e, tão sutilmente entrelaçados, que surge daí um efeito surpreendente: quando você passa perto deles, de qualquer perspectiva que seja, você sente a ideologia do “luchismo[1] nestas paredes. As vezes, é preciso observa-las fixamente antes de compreender porque o mosaico abstrato faz elevar o pensamento às alturas do ideal comunista. Ao lado dos ornamentos repletos de ideologia estão mosaicos trabalhados com motivos de magia — paredes ornamentadas com símbolos antigos, motivos cabalísticos , de runas, etc.
Em algumas das paredes, propositadamente, empregaram motivos da arquitetura antiga, alguns dos quais fazendo lembrar o Castelo de Knossos[2], com o labirinto do Minotauro, mas a estação “Kropotkinskaya”, com suas duplas colunatas, é parecida com o interior de templos egípcios, somente não sendo iluminada por archotes, mas por lâmpadas elétricas.
Fotografar oficialmente aqui só é possível com autorização especial. O motivo disto compreende a concepção estratégica do metrô: nos anos 50 e 60, as estações foram reequipadas para servirem de abrigo anti - atômicos.No início e no fim de cada plataforma encaixaram pesadas portas metálicas, por meio das as estações podem ser hermeticamente fechadas. Exceto alguns especialistas, não há quem tenha visto tais portas fechadas, porém, é possível imaginar o terror da situação: passar por debaixo da multidão nas escadas rolantes, para a qual se fecham pesadas portas de meio metro de espessura; por outro lado, é perfeitamente possível que estas portas estejam inoperantes já há longotempo. Indo de metrô do centro à periferia, a viagem de meia hora será uma viagem no tempo: dos anos trinta à atualidade. A elegância e o esplendor sendo substituídos pelo ascetismo, até pela pobreza, e quanto mais você vai para longe do centro, mais ocasionalmente você encontra construções de superfície do metrô — as entradas aqui são apenas as passagens subterrâneas, sobre as quais incendeia a letra «M»[3].



No centro, a estação se assemelha a um pequeno mausoléu; em compensação, o mausoléu de Lênin se assemelha com as estações do metro. Em geral, o metrô, que há tempos leva o nome de Lênin, surge como um mausoléu virtual — o mausoléu de pessoas, o mausoléu do futuro, o mausoléu dos sonhos.
Como cada objeto ritualístico, o metrô transpira lendas sombrias É assim que circula a história de que no sistema de tubulação subterrânea viviam enormes ratazanas-mutantes, do tamanho de um pequeno cachorro, que de tempos em tempos sentavam nos trilhos forçando os trens a parar. De noite, pelos túneis, brigadas especiais equipadas com armas automáticas Kalishnikova[4] e grandes lanternas, atiram nos ratos.

Falam que os ratos se alimentam de cadáveres dos que, pelas noites, se atiram das janelas dos trens. Em algum lugar, no centro de Moscou, deve haver uma estação de dejetos, plataformas atravancados por todo peso dos monumentos a Stalin, retirados das cidades nos anos 50 (tudo isto é pouco provável, porém, muitas estações ainda mantiveram imensos retratos de Stalin, que com facilidade, poderiam retirar da grossa camada de estuque.)
No entanto, a mais bonita – e também a mais terrível das lendas sobre o metrô de Moscou foi inventada por crianças, contada nos campos dos pioneiros. Quando escurecia, na tenda, começavam os contos sobre o que acontecia com as pessoas que adormeciam nos trens e se esqueciam da parada final. Quando o trem entra no metrô, as pessoas despertam, arrancadas do vagão acorrentadas, após o que passam longos anos sob a terra, trabalhando e reformando aquele enigmático mecanismo, que coloca o imenso organismo do metrô em movimento. Todo este tempo ficam quase que em transe, porque acrescentam algo em sua comida. Quando envelhecem e já não mais podem trabalhar, um belo dia despertam em um vagão superlotado, em meio às pessoas que vão trabalhar. Eles de nada se lembram do período sob a terra, apenas ficou-lhes um lampejo de que ainda ontem eram jovens e repletos de esperanças, mas hoje são velhos Suas vidas terminam e eles, absolutamente, não compreendem o que se passou entre o ontem e o hoje.

O Hades Soviético[5]

Esta história é uma belíssima metáfora: muitas pessoas idosas vão de metrô e quando elas olham para os painéis publicitários nas paredes dos vagões, nos seus rostos transparece a indiferença e incompreensão. É possível que para as pessoas desta história também houvesse tal expressão no rosto. Toda a sua vida elas passaram no imenso mecanismo do império soviético; lhes é indistinguível um dia do outro que passaram sob o transe ideológico. Mas agora, na velhice, os descartam no enigmático mundo inimigo, que espera apenas que bem depressa eles partam e cedam lugar a outros. De acordo com a metafísica soviética, o homem após a morte vive dentro do fruto de seu trabalho. Neste sentido, o metrô é o Hades soviético, o abrigo destas muitas almas, para as quais não sobrou nada além da penumbra e umidade nos túneis subterrâneos.Mas Deus é misericordioso. Na estação mais profunda do metrô de Moscou, a estação “Mayakovskaya” , janelas ovais abrem a paisagem do sombrio teto para o desenhado céu azul,deixando ver aviões, multicoloridos balões aéreos e ramos floridos das macieiras.

É possível que os construtores do metro dos anos 30, 40 e 50 e toda esta gente, para quem surge e o metrô de Moscou e seus monumentos, tenham partido justamente pra lá, para este desenhado azul celeste, no paraíso subterrâneo atravancado de nuvens cor de rosa do ocaso eterno.

tradução: Milu Duarte

ESTAÇÕES
ESQUEMA DAS LINHAS
FOTOS/ФОТКИ
INTERIOR DOS VAGÕES






Notas do Tradudor:
[1] movimento de arte russo - síntese do cubismo e futurismo - fundado por Mikhail F. Larionov, que representa um dos primeiros passos em direção ao desenvolvimento da arte abstrata na Rússia
[2]situado na cidade de Heraklio, na Grécia, foi o centro da civilização Minóica.
[3]Símbolo do Metro de Moscou, fixado a cada cada uma de suas entradas espalhadas por toda a cidade.
[4]Arma automática soviética, idealizada pelo russo Mikhail Kalashnikov que aos 28 anos a desenhou.
[5]Hades é o deus do mundo inferior e das riquezas soberano dos mortos. O nome Hades era usado para design
ar tanto o deus como os seus domínios.

Algumas imagens do que foi citado no artigo de Pelevin:
luchismo(obra de Mikhail F. Larionov)
http://www.gelos.ru/2005/vistavka/bigimages/113.jpg
http://farm1.static.flickr.com/242/458125729_089288ec00_o.jpg
castelo de knossos
logotipo do Metro de Moscou:


















Avtomata Kalashnikova AK-47














Hades
hades(mitologia grega)

Um pouco sobre Victor Olegovich Pelevin: nescritor russo contemporâneo, nascido em 22 de novembro de 1962 em Moscou. Seu gênero é a ficção, utilizando-se muito da fusão de elementos pós modernistas com elementos da cultura poçular e um pouco de esoterismo. Muitos não gostam dele pelo fato de sua literatura se distanciar muito dos clássicos russos, mas para mim, a literatura de Pelevin é gostosa, prazerosa e, sobretudo, bem russa. Seu livro que mais gostei se chama Geração P. Recomendo.

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