quinta-feira, 22 de setembro de 2011

DOSTOIEVSKI: A SENTENÇA

 Tem um trecho do "Diário de um escritor", do grande mestre de São Petersburgo, que me faz refletir intensamente...Penso nele a cada vez que me revolto com as injustiças do mundo...Penso nele a cada injustiça cometida contra mim ou por mim...Quando me sinto entediada, penso no texto...ou quando me sinto frustrada em meus objetivos. Ou, em momentos mais cruciais, como, por exemplo, há algum tempo atrás ao sofrer a incerteza de uma cirurgia cerebral que, no fim das contas, resultou em sucesso. Claro, sem nunca ter pensado em suicídio, pois,apesar de todas as coisas horríveis às quais o cotidiano está sujeito, amo a vida!

Mas é fantástico perceber, através de um simples texto, a genialidade de Dostoievski em compreender a alma humana, a alma dos que sofriam. Aliás, ele próprio sofreu demais.... E "A Sentença" mostra p'ra gente toda a dimensão desta sua intensa capacidade.Comprove o amigo do blog com a leitura do texto.

 "Aqui está o raciocínio de "suicida por tédio", naturalmente materialista."
Que direito tinha a Natureza de trazer-me ao mundo obedecendo às suas pretensas leis eternas? Sou consciente. Por que essa Natureza me criou sem meu consentimento, a mim, consciente; isto  é, capaz de sofrer? Mas não quero sofrer mais. Para que serviria? A Natureza, pela voz da minha consciência, declara-me haver no Universo harmonia geral. Nela se baseiam as religiões humanas. E se não quiser  desempenhar o meu papel nessa harmonia, será necessário que, apesar de tudo, me submeta às declarações da minha consciência? Será preciso aceitar o sofrimento em vista da harmonia do conjunto? Se me fosse dado escolher, preferiria ser feliz durante o curto momento da minha existência; preocupo-me infinitamente pouco com o todo e com o que acontecerá a esse todo quando estiver morto. Por que motivo irei preocupar-me com a sua conservação em época em que já terei desaparecido? Preferiria viver como os animais, que são inconscientes. Parece-me que a consciência, longe de cooperar para a harmonia geral, é causa de cacofonia, visto como me faz sofrer. Olhem as pessoas que são felizes neste mundo, as que consentem sofrer! São precisamente os que parecem com os animais, que se aproximam da besta pelo desenvolvimento limitado da consciência; os que vivem vida brutal, que consiste unicamente em comer, beber, dormir e procriar. Comer, beber, dormir: isto significa, em linguagem humana, voar, roubar e construir um ninho. Poderão objetar ser possível construir um abrigo de maneira razoável, digamos mesmo, científica. Mas... para que? Para que criar uma situação de maneira justa e sábia na sociedade humana? Ninguém responderá a tal pergunta.
Sim, se eu fosse flor ou vaca, talvez me sentisse feliz. Mas nada há que me faça experimentar alegria. Até mesmo a sorte mais elevada, a de amar aos seus semelhantes, é vã, visto como amanhã tudo ficará destruído, tudo voltará ao caos.
Admitindo-se mesmo por um momento que a humanidade marche para a felicidade, que os homens do futuro sejam perfeitamente ditosos, bastará saber que para obter tal resultado a Natureza teve necessidade de martirizar milhões de seres durante milhões de anos para essa idéia tornar-se insuportável e odiosa. Sem levar em conta que a Natureza se apressará a mergulhar mais uma vez essa felicidade no nada.
Às vezes se me apresenta pergunta horrivelmente triste: e se o homem fosse somente objeto de uma experiência? E se não se tratasse senão de saber se é ou não capaz de adaptar-se à vida terrestre? Mas não, não há nada, não és experimentador, logo não és culpado; tudo está feito de acordo com as leis cegas da Natureza e não só a natureza não me reconhece o direito de interrogá-la, e não me responde, mas não pode admitir seja o que for, nem responder.

Considerando que quando a consciência me responde em nome da Natureza nada mais faço senão emprestar as próprias idéias à consciência e à natureza;

Considerando que, nessas condições, sou ao mesmo tempo quem pergunta e responde, réu e juiz, parecendo-me esta comédia estúpida e intolerável e até mesmo humilhante; 

Em minha condição incontestável de quem pergunta e responde, de juiz e réu, condeno a Natureza, que me criou insolentemente para que sofra, a desaparecer comigo.

Como não posso executar toda a minha sentença, destruindo a natureza ao mesmo tempo que a mim mesmo, suprimo-me a mim mesmo, entendiado de suportar uma tirania de que ninguém tem culpa".

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