sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Um pouco de história: A URSS e a questão japonesa, por Nikita Kruchtchev


Nosso post de hoje foi extraído das memórias de Nikita Khruchtchev, do capítulo em que fala sobre a diplomacia soviética subsequente ao término da II Guerra, principalmente das questões com o Japão. Suas memórias estão repletas de revelações deste período, mas escolhi justamente o trecho em que fala sobre a questão japonesa; sobre as ilhas Sakhalin;sobre as relações soviéticas com os EUA de Truman e muitos outros temas importantes. 
 
Nikita Khruchtchev sucedeu Stalin no poder, a ele chegando a ele por meio de uma violenta luta interna no partido, com políticos da ala stalinista, como - por exemplo, Gaganovich. Iniciou uma série de reformas, tipo uma "pré glasnot", procedendo, inclusive, à chamada "desestalinização", chocando o PCUS ao acusar Stalin de crime de genocídio durante seus famosos expurgos e denunciando o processo de culto da personalidade. Desde então, sempre criticou Stalin, aberta ou veladamente e é isto que podemos perceber no texto a seguir. ..."Outro espinho na nossa ilharga - consequência igualmente da guerra - era a falta de um tratado de paz com o Japão. A situação militar ali se resolvera a nosso favor. A justiça fora estabelecida em relação ao nosso Estado soviético, mas não havia uma decisão diplomática que consubstanciasse isso _ tudo por causa da maneira anormal de pensar de Stalin. Se ele tivesse avaliado corretamente a situação que passou a existir logo que o militarismo japonês foi esmagado, nós teríamos podido preservar nossa representação em Tóquio em um momento em que as condições estavam maduras para estabelecer contatos com os elementos mais progressistas do país. Não soubemos explorar essa situação porque tínhamos nos isolado. Pagamos alto preço por nossa teimosia e estupidez.
Permitam-me explicar o que quero dizer, porque concerne a um período significativo no desenvolvimento da União Soviética e da nossa diplomacia. Poucos meses depois do término da guerra com a Alemanha, Roosevelt e Stalin concordaram em Livadia, Yalta, que nós entraríamos na guerra e ajudaríamos os Estados Unidos.

Nós nos interessávamos pela parte meridional da ilha de Sakhalin e pela devolução das ilhas Kurilas à URSS Nós ocuparíamos Porto Artur e recuperaríamos os territórios perdidos na Mandchúria e na Coréia antes da guerra de 1904-1905 - uma guerra que nos foi imposta pelo Japão. A Rússia fora derrotada, e o Japão nos fizera assinar um tratado degradante.(1)

Antes da II Guerra Mundial, o Japão fora sempre hostil a União Soviética. Vou mais longe que isso: o Japão foi insolente e exigente; perseguiu uma política intolerável, e nós fomos forçados a ficar calados porque o Japão era forte e a União Soviética fraca. Além disso, percebemos que o problema não era só com o Japão. Enfrentávamos o Japão no oriente e a Alemanha no ocidente. Tínhamos de fazer um delicado jogo diplomático, manobrando a fim de manter a paz ou, pelo menos, a não permitir que o inimigo iniciasse uma guerra. Não podíamos fazer guerra em duas frentes, a leste e a oeste. Éramos débeis demais para travar uma guerra dessas.

Então, para o fim da II Guerra Mundial, chegou o momento para que as nossas tropas atravessassem a fronteira da Sibéria com a Mandchúria, ocupada pelo Japão. Lembro-me de quando, estando eu em Moscou, Stalin se empenhava com os nossos oficiais para que entrassem em ação logo que possível naquele teatro de operações. Ou faziam isso ou o Japão capitulava às forças armadas dos EUA antes que pudéssemos entrar na guerra. Stalin não confiava nos Estados Unidos: (2)temia que não cumprissem a palavra empenhada. Temia que se aproveitassem de uma condição do tratado de Yalta: os territórios que o Japão havia tomado da Rússia nos seriam restituídos - mas apenas se tomássemos parte na guerra com o Japão. E se não participássemos? E se o Japão se rendesse antes de entrarmos na guerra? Os americanos podiam dizer: nós não lhes devemos nada.

Esmagamos o exército de Kwantung (Exército da Região, Mandchúria Oriental). Mas então os americanos já haviam laçado suas duas bombas atômicas, e o Japão estava condenado. Poder-se-ia dizer que cambaleava nas vascas da agonia. Os japoneses procuravam meios e modos de saírem da guerra. Nós entramos literalmente na última hora, libertando a Mandchúria, Sakhalin e metade da Coréa.Veja a captura do imperador Pu Yi. Nosso avião aterrissou emMudken e capturou o imperador da Mandchúria, protégé do Japão. Chegamos, como diz o provérbio russo, quando os convidados estavam pondo o chapéu para saírem.

Se Roosevelt ainda estivesse vivo as coisas teriam se passado de outro modo e mais vantajosamente para nós. O presidente Roosevelt era um homem sagaz e tinha a União Soviética em alta consideração. Stalin podia negociar com ele(3). Stalin podia negociar com ele. Costumava dizer que tinha boas relações pessoais com Roosevelt.(...)Mas agora Roosevelt já não estava mais neste mundo.Agora a guerra era dirigida por Truman, que não tinha a mesma habilidade. Que se tornara presidente por acaso. Truman seguiu uma política reacionária e invariavelmente hostil à União Soviética, o que era intolerável. Mas só mais tarde isso ficou graficamente claro.

Quando o Japão capitulou não tivemos representante na cerimônia de rendição. E isso não se deu por casualidade. Mesmo que tivéssemos lutado nas ilhas japonesas, os americanos poderiam ter convidado seus aliados para a cerimônia e esperado que chegássemos para realiza-la. Mas Truman não quis isto. Era como se fizesse questão de aceitar a capitulação do Japão sem nós. O que nos deixou irritados.

Então, quando se formou um comitê para supervisionar a capitulação do exército japonês, nosso papel nosso papel foi o de um parente pobre no casamento de um homem rico. Fomos ignorados. Os outros não fizeram a menor conta de nossas sugestões. Em suma, eles nos ignoraram. Quando o comitê se dissolveu, nós permanecemos em Tóquio por muito tempo. Não queríamos sair, reivindicando nossos direitos de potencia vitoriosa, que aceitara a rendição do império japonês. Quando os americanos pediram-nos que saíssemos, resistimos. No fim, nosso pessoal ficou bloqueado e vivendo em condições intoleráveis.(...)

Todos esses incidentes irritaram Stalin, mas a nós também. Ficamos todos indignados, mas não havia nada a se fazer. Os EUA davam as cartas. Deveríamos ir à guerra com eles? Naturalmente que não. Seria impensável. Não tínhamos elementos para fazer isso. Depois, estadistas não declaram guerra em tais circunstâncias. Todavia, as relações entre a União Soviética e os Estados Unidos não ficaram congeladas - pelo contrário, foram ficando cada vez mais quentes.Era, de fato, Truman quem nos maltratava. Isso tinha raízes no caráter dele e, também, na sua mentalidade. Um presidente hábil nunca teria se portado de maneira tão provocativa. Não teria espicaçado a União Soviética.

Mesmo assim, cumpre dar aos americanos algum crédito. Quando foi redigido o protocolo do tratado de paz com o Japão, havia um lugar para a nossa assinatura. Nossos interesses foram totalmente resguardados. Tudo o que tínhamos que fazer era assinar e teríamos recebido tudo o que nos fora prometido. Teríamos, também, restabelecido relações pacíficas com o Japão e trocado representantes diplomáticos com aquele país.Não sei porque não o fizemos.(...) É verdade que os americanos nos tinham tratado mal, se recusando a reconhecer nossa contribuição. Mesmo assim, deveríamos ter visto as coisas com menos paixão. (...)

Quando o tratado ficou pronto (1951), fomos chamados outra vez a assinar. Não o fizemos. Não entendi porque na época e não entendo ainda hoje. Mas era Stalin quem formulava a política. E nunca se aconselhava com ninguém. Estava todo vaidoso, principalmente depois da derrota da Alemanha. Julgava-se um verdadeiro Kuzmá Kryuchkov(4): podia atravessar qualquer mar, fazer qualquer coisa, por mais difícil que fosse.

Com a guerra terminada e o principal inimigo derrotado, o ocidente arregimentou e unificou suas forças contra a União Soviética. Assim, quando nos recusamos a assinar a rendição japonesa, certas forças do ocidente acharam isto vantajoso para elas. E estavam certas: elas se beneficiariam com a situação. Por nossa culpa exclusiva: se tivéssemos assinado, teríamos uma embaixada em Tóquio. Teríamos acesso à opinião pública japonesa, aos círculos influentes do país. Teríamos estabelecido relações comerciais com firmas japonesas.

Perdemos tudo isto. Era o que os americanos queriam, era do interesse deles. Não queriam que tivéssemos representações em outros países. Queriam, de maneira geral, isolar a União Soviética. A mesma política que haviam perseguido desde o primeiro dia do Estado soviético: cerco, não-reconhecimento, intervenção. Agora, nós mesmos engolíamos o anzol para algegria das forças anti-soviéticas nos EUA. E tudo por "miopia".

Nossa política e nossa economia se ressentiram do fato de não termos contatos com o Japão. Enquanto isso, os EUA não só mantinham uma embaixada em Tóquio, como agiam como senhores por lá. Portavam-se com desfaçatez. Construíam bases. Promoviam uma política anti-soviética. Incitavam os japoneses contra nós. E os japoneses faziam o que os mais raivosos monopolistas e militaristas queriam que fizessem. Ardiam de ódio contra o bloco socialista, principalmente contra o país que fora o primeiro a levantar a bandeira do marxismo-leninismo e conseguira grandes vitórias para a classe trabalhadora".
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Notas da Milu
Obs: O nome das ilhas é Sakhalin. Sakhalina, conforme noto em algumas traduções, é o nome Sakhalin declinado (de Sakhalin). 
 

(1)Em 1904, o conflito entre russos e japneses provocou um ataque à base naval russa de Porto Artur,. na Mandchúria, devido à recusa russa em retirar-se da Mandchúria e a expansão de concessões na Coréia, que o Japão considerava área privativa de exploração. Como resultado da derrota russa, a Rússia cedeu ao Japão a metade meridional da ilha de Sakhalin.
(2) Prova de que não era burro...
(3)Veja o livro "Prezado Sr. Stalin - os bastidores da Segunda Guerra", com a correspondência trocada entre Roosevelt e Stalin.Ao todo são 304 cartas que demonstram as excelentes relações entre Rossevelt e Stalin.
(4) Herói de desenho animado, criado pelos anos da primeira grande guerra: cossaco, tido como herói da 1ª Guerra, que povoou as propagandas russas mais antigas, sendo estampado em cartões postais, outdoor e revistas da época, atravessando os alemães com sua lança; exemplo de bravura e patriotismo, será assunto de futuro post.
Fonte fotos:
www.yandex.ru
www.savok.org

3 comentários:

Rafael Carvalho disse...

Obrigado por compartilhar esses fatos legais conosco, conheci seu blog a uns 2 anos atrás mas não tinha guardado, e então esqueci. Hoje em pesquisas sobre a comédia Бриллиантовая рука 1968, achei de novo, e agora favoritei.
Por favor, continue postando coisas sobre a Rússia e a antiga CCCP, pois muitas pessoas igual eu se interessam muito.

António Ja Batalha disse...

Estou a tentar visitar todos os amigos da verdade em poesia afim de lhes desejar um 2016 muito feliz cheio de grandes vitórias e muita saúde e Paz.
António.

António Je. Batalha disse...

Estou a tentar visitar todos os seguidores do Peregrino E Servo, e verifiquei que eu estava a seguir sem foto, por motivo de uma acção do google, tive de voltar a seguir, com outra foto. Aproveito para deixar um fraterno abraço.
António Jesus Batalha.

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