quinta-feira, 30 de junho de 2016

A verdade sobre a tragédia dos Románov (de Marc Ferro)




(Clique nas imagens, para visualizá-las em tamanho maior)

Todo mundo conhece a "história" da família do último tzar russo, da família Románov, mas será que o que todos conhecemos realmente aconteceu ou aconteceu realmente da forma como sabemos? Ou será que manipularam a história, na defesa de interesses de um dos lados nela envolvidos? A maioria dos historiadores apresenta a história tal como todos nós conhecemos: a família imperial foi assassinada pelos bolcheviques. Mataram todos, do tzar ao tzarievitch, doente de hemofilia; mas tem um historiador francês, Marc Ferro, muito conceituado, um dos principais historiadores da atualidade, que contesta a conhecida versão e apresenta documentos e argumentos provando que a coisa aconteceu de outra forma. 


Professor da EHESS (École d'Hautes Études En Siences Scociales), diretor da revista "Les Annales" (Économies, Sociétés, Civilisations). Ferro é grande conhecedor da história russa, já tendo sido diretor de estudos na IMSECO (Institut du Mond Soviétique et de l"Europe Central et Oriental) , membro do Comitê de Redação do Cahiers du Monde Russe et Soviétique, bem como professor visitante na Rússia. Foi, também, professor visitante nos EUA, Brasil e Canadá. Escreveu, entre outros tantos títulos, a história da revolução russa de 1917 e uma biografia sobre Nicolai II, o último tzar e o livro que deu o título a este post.

 Finalizando, Ferro  é pioneiro no estudo da relação cinema-história. Também tem livros sobre a manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação.

Apresentado o autor do livro, vamos às descobertas que Marc Ferro fez sobre o caso que mais mobilizou corações e mentes no século XX: a chacina da família real russa. 

 Ferro sempre questionou a versão oficial da história e, com bases nestes questionamentos, partiu atrás de fatos, testemunhos e documentos que comprovassem suas hipóteses, conforme consta da contracapa do livro, postada acima. Já no livro que escreveu sobre Nicolau II, o historiador defendia a hipótese de que as filhas do imperador não haviam sido assassinadas. Hipótese arrojada, que jogava por terra tudo o que sempre se soube oficialmente. Ferro relembra um fato que não pode passar batido na pesquisa histórica: 
que em 1918, pouco após a morte do tzar, "os dirigentes soviéticos (tenham anunciado) à população que filhas e esposa do czar haviam sido "postas em lugar seguro". 
O resto do mundo negava a fala soviética, afirmando o contrário.

Ferro narra várias falas de uma pessoa que alegava ser Anastácia, a mais nova das filhas do imperador. Esta pessoa foi sempre tratada como impostora. Não lhe davam atenção, mas Marc Ferro foi fundo na pesquisa, envolvendo tudo o que a moça falava, em sua tarefa de esclarecer o fato. Até então, tudo indicava para a veracidade da chacina, tanto do lado dos comunistas (os vermelhos), quanto do lado dos brancos (os monarquistas). Do lado dos comunistas, esta versão era útil por "salvar" a honra bolchevique: como explicar ao povo que o regime matou um tzar russo, mas poupou as alemãs (imperatriz e filhas)? Como assumir que negociou secretamente a vida da família real com os alemães? Isto era uma traição às teses do Partido. Além disto, lhes era útil que acreditassem que todos estavam mortos, pois tornava mais difícil uma tentativa de restauração da monarquia. 

 Esta versão também era útil aos 'brancos', pois reafirmava a ideia que o mundo fazia dos soviéticos como monstros; além disto, eles já tinham postulantes ao trono, visando a retomada do poder e não queriam ser estorvados pelos descendentes de um tzar morto

Neste emaranhado de falsificações, também a igreja ocupou seu lugar: os ortodoxos, que tinham a mania de transformar tzares mortos em santos, não queriam desfazer a imagem de mártires que aureolava Nicolau e sua família. 

Marc Ferro foi informado de que em Sverdlovsk (atual Ekaterinburgo) que seu livro sobre Nicolau II havia sido proibido, por conter informações que 
"poderiam constituir um obstáculo à construção de um mausoléu em memória da família imperial".
 Ferro se apegou à todas as evidências possíveis e imagináveis, à todas as notícias da época e posteriores, tais como:
  • quatro personalidades do regime soviético afirmaram, à época da morte do tzar, que sua esposa e filhas estavam vivas;
  •   as afirmações de dois jornalistas ingleses, Summers e Mangold, que em 1976, provavam que haviam sido eliminadas da publicação extraída do dossiê de instrução judicial as peças que davam pistas de que as filhas do czar e a tzarina estavam vivas;
  • nos anos 90 se descobre, no Vaticano, um manuscrito de Olga (a primogênita do tzar) (2)
"que terá morrido em 1976, em Menaggio, Itália, assim como sua irmã Maria (a terceira das filhas), cujo testamento foi mostrado ao historiador por um rapaz que se apresentou como seu neto";
  • apesar das controvérsias em torno do assunto, uma pessoa que se dizia ser Anastásia foi reconhecida como tal por numerosos membros de sua família, durante a década de 20,inclusive por suas tias;
  •  o historiador Carlos Seco Serano descobriu nos Arquivos Espanhóis que a corte da Espanha considerava que o imperador havia morrido, mas não sua mulher e filhas;
  • foram descobertos vestígios da imperatriz e da filha número 2 - Tatiana - em um mosteiro na cidade ucraniana de Lvov, na década de 30 e, logo após a segunda guerra, novos vestígios dela já na Itália.
 Acima estão apenas alguns exemplos das fontes a que Marc Ferro teve acesso. Fora isto, ouviu muitas testemunhas, gente bastante abalizada e relata o que delas ouviu.
 No período da perestroika, os Arquivos Russos foram abertos e a eles Ferro teve acesso, confirmando suas hipóteses, a saber:
  1. só o tzar Nicolau II foi fuzilado;
  2. a imperatriz e suas filhas foram libertadas, em virtude de negociação com os alemães (entre julho e outubro de 1918(1);
  3. Em troca de suas parentas, Guilherme II, o kaiser alemão, libertou revolucionários ligados ao stalinismo. (3)
Marc Ferro não lança, simplesmente,  estes fatos: ele apresenta documentos comprobatórios de suas afirmações. O livro é farto em fotos das filhas do imperador muito após 1918, é farto, também, em testemunhos e em relatos envolvendo a grande família real da Europa, já que Nicolau e Aleksandra (primos entre si), eram ligados por laços de sangue com da Rainha Vitória  (avó de ambos e do kaiser alemão) (conf.já citado), com o rei da Dinamarca, rei da Espanha e rainha Maria, da Romênia

Reconhecer a sobrevivência das filhas e esposa de Nicolau colocava em jogo uma série de interesses seculares, o que explica a manutenção da farsa por tanto tempo.

O historiador, criterioso, analisou ou relatório do juiz responsável pelo caso do assassinato da família imperial e detectou um inquérito com falsos testemunhos, muitas idas e vindas, muito afastamento de juízes, entre outras anomalias que lhe chamaram a atenção.  Mas não ficou só nisto: como grande profissional que é, cruzou os documentos encontrados com a História

Ferro também salienta  a estranha ocorrência de testemunhas e juízes do caso Románov mortos subitamente ou executados, bem como a inconsistência verificada em vários depoimentos e falsas pistas.

 O tzarievitch Alexei também teria sobrevivido, sob nome falso de Vassili Filatov, cujo filho, Oleg Filatov (foto abaixo), teria testemunhado tal descendência em 1980. Quanto a isto, Ferro não é conclusivo, apenas relata alguns fatos que "conferem alguma substância a esta versão". 



Muitos questionarão: e os restos mortais? Foram "encontrados" e devidamente enterrados. Marc Ferro dá a resposta:
 "Acrescentamos que os corpos das princesas nunca foram encontrados: as análises de ADN efetuadas em 1991, 1993 e 1998 aos crânios que se dizia pertencerem aos Románov são contestadas; de resto, os descendentes pensam que se trata de uma mistificação".
 Conforme já dissemos anteriormente, não era do interesse de muita gente que a versão verdadeira viesse a tona, tanto que em 1988, quando se celebrava o aniversário da morte da família real, uma parte da igreja ortodoxa e dos descendentes dos Románov contestaram a cerimônia.  

Nas mais de 160 páginas do livro, Marc Ferro descreve fatos acontecidos com a esposa e filha do tzar após 1918: como viveram, com quem as filhas se casaram, etc. Apresenta um anexo com documentação, em aproximadamente 30 páginas, além de relatar, criteriosamente, os passos seguidos por ele nas suas investigações. Tive que conter meu desejo de postar os documentos e todas as fotos constantes do livro, postando apenas duas:


Anastásja, sob o nome de Anna Anderson

 Maria (ao centro) e a irmã Olga,em 1958
Deixo, também, de lado, a vontade de escrever mais e mais sobre o livro: o espaço de um post é muito pequeno para tantas informações interessantes; sugiro, portanto, ao leitor interessado, que adquira um exemplar desta obra: vale muito a pena.
 


Notas da Milu

(1) Guilherme e Aleksandra, a tzarina, eram primos. Ambos eram netos da rainha Vitória, da Inglaterra.
(2) Foto do documento foi anexado ao livro.
(3) Foi  o ramo alemão, sobretudo Guilherme II. quem cuidou das filhas do tzar, mesmo estando no exílio. 


Créditos:
- Foto de Oleg Filatov: http://persona.rin.ru/view/f/0/20524/filatov-oleg-vasilevich;
- Fotos da capa e contracapa do livro: meu arquivo pessoal.

7 comentários:

Anônimo disse...

Seria muito bom se fosse verdade. Infelizmente, não é. Ninguém sobreviveu. Os restos mortais encontrados eram, sim, da Czarina, das Grã-Duquesas e do Tsarevich, como já ficou comprovado pelos repetidos testes de DNA realizados não somente na Rússia, mas também nos Estados Unidos e na Inglaterra.

Quanto ao fato de o Kaiser ter recebido a Imperatriz e os filhos na Alemanha, também não é muito provável, apesar dos laços de sangue que os uniam. Afinal, a Rússia estivera em guerra com a Alemanha, e Alexandra, embora fosse alemã de nascimento, adotou a pátria do marido como sua. Será que ela aceitaria a ajuda de um homem que odiava?

Mesmo admitindo que tudo isso tivesse acontecido, levando-se em conta a doença do Tsarevich, não há garantias sequer de que ele pudesse atingir a idade adulta, muito menos de que viesse a deixar descendentes.

Por fim, no que se refere ao caso de Anna Anderson, mais uma vez o DNA pôs fim a qualquer dúvida que ainda pudesse haver. Ela não era Anastásia, e sim uma operária polonesa, que nem ao menos parecia com a Grã-Duquesa.

Milu disse...

Marc Ferro é um grande e respeitável historiador. Ele teve acesso, inclusive, aos exames falsificados de DNA.O armisticio entre Russia e Alemanha foi assinado as custas disto e não era interessante para o partido que isto fosse divulgado. E, para muitos dos países que aderiram a esta farsa, o fizeram para salvar a vida da família real. Existiam muitos interesses aí envolvidos. Leia o livro. É fantástico e muito bem documentado, escrito pelo mais confiável historiador da atualidade. Na Rússia, isto é bastante comentado.Vou lá vez ou outra e tenho muitos amigos por lá que comentam isto como coisa mais comum do mundo, já que estes arquivos estão entre os que foram abertos para consulta.

Milu disse...

Ah. quanto à doença do Alyosha, ele foi tratado com o mesmo tratamento que Rasputin lhe dispensava. mas esta é a única parte que ainda requer uma investigação mais profunda e sobre ela Marc Ferro vem se debruçando.

Ana Carolina disse...

98 anos depois do assassinato dos Romanov, a morte deles continua envolta de mistérios, muita coisa do assassinato deve ter sido alterada, tanto pelos bolcheviques quanto pelos brancos mas acho difícil alguém da família ter sobrevivido. Alexei era hemofílico, não teria vivido por tanto tempo e Alexandra odiava o kaiser Guilherme II, duvido muito que ela aceitaria, um exilio na Alemanha; Já foi comprovado que Anna Anderson não era Anastasia e não tinha parentesco nenhum com os Romanov, sem falar que ela não era nenhum um pouco parecida com a Nastya.

Ana Carolina disse...

Mas bem lá no fundo ainda tenho uma pequena esperança que algum dos Romanov, tenha sobrevivido ao massacre e qualquer um que goste da história da família, também deve ter

Anônimo disse...

Bom.. cada um tem o direito à sua opinião. De acreditar nessas teorias ou não. Eu acredito nos exames de dna, que, como disse o autor acima: foi feito em outros países além da Rússia para trazer um resultado preciso. Sejamos racionais: cientistas estrangeiros não desperdiçaríam tempo e dinheiro transportando materiais genéticos correndo tantos riscos, e ter todo o trabalho que tiveram para depois falsificar resultados para satisfazer o interesse de pessoas que morreram a anos e não estão aqui para contestar essa versão. Existe muita gente inventando teorias fantasiosas para vender livros, com ou sem um gabarito acadêmico de boa qualidade para usar como respaldo para a teoria. Só porque ele é historiador, não significa que ele está isento de erros, ou de preencher um livro com informações apenas para vender, afinal ele também é humano. É fácil pegar fotos de uma mulher que já foi comprovado ser uma impostora, e literalmente estava na cara que ela era impostora, pois em nada se assemelhava aos Romanov (e só esse fato já é o suficiente pra mostrar a má fé do autor, e descreditá-lo) e afirmar que é fulano ou ciclana. Jogar palavras num livro não provam nada;a ciência sim. E constestar a ciência sem poder provar é fácil. E a ciência provou que os Romanov estão mortos, quer ele goste ou não.

Rubi Aria disse...

Gente a história da última família imperial da Rússia sempre será um mistério. Concordo que a possibilidade de falsificação dos exames de DNA por vários motivos políticos é enorme. Eu acho que acreditaria mais se alguma nação inimiga da Rússia fizesse esses testes pq se tivesse sido falsificado antes essa nação adoraria jogar no ventilador né. Não acho a Anna parecida com a Anastácia e minha mãe, que é melhor fisionomista do que eu, também não. Alexey quase que com certeza não chegaria à vida adulta com a doença que tinha e o estado em que ela estava já na época do massacre. Existe até uma teoria que não sei bem de onde vem, mas que já ouvi muito por aí, dizendo que todo esse afã com os malfadados Romanov's é uma tentativa de trazer o czarismo novamente à Rússia. Sou meio suspeita pra falar disso pq amo o estilo de governo monárquico, mas teria que ter vivido na Rússia pra dizer se seria uma boa ou não a volta desse sistema de governo. O fato é que também é uma ótima desculpa das autoridades pra tentar acabar com o assunto, apesar de só ter tido o efeito oposto até agora né.
Eu adoraria saber um dia que a família deu um olá em todo mundo e sobreviveram, pelo menos alguns deles, ao massacre, mas acho isso bem pouco provável visto que naquele período os bolcheviques deram fim em muitos membros da casa Romanov exatamente pra que não houvessem sobreviventes herdeiros ao trono, no caso do povo clamar pela volta do czarismo. Não acho que eles vacilariam justamente com os membros mais importantes nesse sentido. Talvez fosse exatamente por isso que eles foram tão cruéis com a família. Nunca consigo pensar nessa família sem sentir aquela pontada de tristeza pq, mesmo que eles fossem os piores seres vivos do mundo, nada justifica um massacre a tantas pessoas, incluindo crianças e empregados, daquela forma, sem a mínima chance de defesa, com requintes de crueldade. A própria surpresa do czar na hora que a coisa toda acontece dá uma pontada no peito. Pra mim, como mera pesquisadora amadora sobre o tema, o maior agente causador de toda essa desgraça foi a fraqueza do czar, não pq ele fosse um homem de mal gênio, muito pelo contrário, a Rússia sempre teve em seus maiores governantes a característica do gênio forte, pulso firme e tal, o czar era visto como um homem bondoso, influenciável demais e de pouco pulso pra manter ou tomar decisões fortes. Uma péssima combinação pra um governante russo e num período de mudanças no mundo todo como foi o início do século XX

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