segunda-feira, 30 de maio de 2011

FÁBULA DA TRADIÇÃO RUSSA: O CAMPONÊS ESPERTO

Havia, outrora, uma velha que tinha dois filhos. Um deles morreu e o outro partiu para um país longínquo. Três dias depois da partida do moço apareceu na casa da velha um soldado que disse:
-Boa senhora, permita-me passar a noite na tua casa.
-Pois não, meu amigo! E de onde vens tu?
-Venho do outro mundo.
-Ah! Eu tenho um filho que morreu. Por acaso tu o terás visto por lá?
-Se vi! Dormíamos os dois no mesmo quarto...
-Verdade?
-Sim: no outro mundo ele é pastor de cotovias.
-Ah, meu amigo! Então elas lhe devem dar muito trabalho!
-Muito! Estão sempre fugindo para as moitas!
-E as roupas de meu filho, já se reasgaram?
-Completamente. Ele anda esfarrapado.
-Eu tenho aqui alguns metros de lã e um punhado de rublos. Leva-os para meu filho.
-Pois não, minha boa senhora.
Ao cabo de não sei quanto tempo, o filho viajante retorna à casa:
-Como vais, mãe?
-Olha, durante tua ausência apareceu aqui um soldado que voltava do outro mundo e me deu notícias de meu filho defunto. Moram no mesmo quarto, por lá. POr intermédio dele eu enviei a teu irmão alguns metros de lã e dez rublos.
-Se o que dizes é verdade, adeus mãe. Vou fazer uma longa viagem pelo mundo. Se encontrar alguém mais crédulo do que tu, voltarei a morar contigo.  Se não encontrar, jamais voltarei a esta casa.
Girou sobre os calcanhares e se pôs a caminho.
Chegou a uma aldeia senhorial e deteve-se junto do pátio do senhor, onde vagava uma porca com seus leitõezinhos. O camponês pôs-se de joelhos diante dela, saudando-a respeitosamente. A dona da casa viu aquilo da janela onde estava e disse à sua serva:
-Vai perguntar aquele camponês porque se põe de joelhos e cumprimenta assim aquela porca.
Então a moça foi indagar:
-Camponês, porque ajoelhas e cumprimentas assim esta porca?
-Minha cara, dize à tua senhora que esta porca é encantadora: é irmã de minha esposa, e como meu filho casa-se amanhã, talvez tua senhora permita que ela seja testemunha, acompanhada de seus leitõezinhos.
Quando a castelã soube daquilo, disse à serva:
-Mas que grande tolo! Convidar porca e leitões  para um casamento! Pois bem: vamos nos divertir a custa dele. Coloca depressa minha peliça sobre a porca e manda atrelar os cavalos ao carro: não devemos mandá-la a pé para a festa. 
Atrelaram os cavalos ao carro, ali colocaram a porca toda enfeitada, com seus leitões. E deram tudo ao camponês, que se foi embora.
O castelão, que estava caçando, voltou para casa e  esposa lhe contou o que se passara, rindo às gargalhadas.
-Ah, meu amigo, tu estavas ausente e eu não tinha com quem rir. Um camponês apareceu por aqui e  se pôs a cumprimentar a porca: "É encantadora", dizia ele, "é irmã de minha esposa"! E convidou-a para testemunha do casamento de seu filho, e aos leitõezinhos também, para que fizessem parte do cortejo.
-Já sei- disse o senhor -tu lhe deste os animais...
-Cobri a porca com a minha peliça e coloquei-a com os filhos na carruagem, puxada por dois cavalos.
-Mas de onde vinha esse camponês?
-Não sei...
-Pois bem: não é ao camponês que se pode chamar de tolo e sim a ti, que foste uma idiota!
Irritado por terem enganado sua mulher, o castelão montou sobre seu cavalo e se pôs a perseguir o camponês. Este, percebendo o ruído do galope e vendo que o homem o alcançaria, escondeu cavalos e carruagem atrás de um bosque espesso, tirou o chapéu, colocou-o no chão, e sentou-se ao lado dele.
-Olá, palerma-gritou o senhor-, não viste passar por aqui um camponês com um carro puxado por dois cavalos? No carro ia uma porca com seus leitõezinhos.
-Sim, vi passar, mas já faz algum tempo.
-E por onde foi? Que caminho devo tomar para alcança-lo?
-Não será difícil alcança-lo, mas o caminho é cheio de voltas e poderás perder-te sem saberes como. Com certeza não conheces este caminho, não é mesmo?
-Queres ir tu, alcançar para mi aquele camponês?
-Não, senhor, é impossível. Tenho um falcão aqui embaixo do meu chapéu.
-Pouco importa. Eu guardarei seu falcão.
-Só se tiveres muito cuidado. Ele poderia escapar e, sendo um pássaro muito caro, meu senhor me mataria.
-Quanto custa o falcão?
-Penso que uns trezentos rublos. 
-Pois bem, se eu o deixar escapar, pago-te os trezentos rublos.
-Nada disso! Tu agora prometes, mas eu não fico garantido...
-Que homem desconfiado! Pois bem, aqui tens os trezentos rublos.
O camponês apanhou o dinheiro, subiu para o cavalo do outro e pôs-se a correr para a floresta, enquanto o senhor ali ficava a guardar um chapéu vazio. Esperou e esperou. O sol declinava no horizonte e o camponês não voltava.
-Vou ver se há mesmo um falcão sob este chapéu - disse consigo mesmo o homem, que já começava a ficar desconfiado. Se houver, ele volta, se não houver, será inútil esperar. 
Ergueu o chapéu: nada havia ali.
-Que velhaco! Com certeza é o mesmo camponês que enganou minha mulher.
Furioso, o senhor retornou a pé para sua casa. O camponês já há muito retornara à sua, onde dissera à mãe:
-Está bem, mãe, fico contigo. Neste mundo há muitos tolos. Deram-me de graça três cavalos e uma carruagem, trezentos rublos, uma peliça, uma porca e seus leitõezinhos.
Enquanto houver tolos, os espertos prosperarão...

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