Até hoje, tantos anos passados da revolução bolchevique, é difícil escrever sobre os fatos que envolveram alguns de seus membros, sobretudo Trotsky e Stalin. Aliás, falar sobre Trotsky é muito complicado: quando o assunto é ele, as opiniões se dividem muito. Como complicado, também, é julgar a participação de Lenin como 'ator' principal da revolução. Conversando com soviéticos ouço opiniões que culpam Lenin e Trotsky (enquanto comissário do povo para a guerra) da implantação da violência como método de governo; outros os defendem e culpam Stalin. Mas a coisa não fica só nas opiniões leigas: muitos autores culpam Lenin pela construção do estado totalitário, ao passo que outros, como Victor Serge(**)o elogiam pelas conquistas alcançadas com a vitória da revolução. Alegam que, se foi derramado sangue de opositores ao regime, muito sangue escorreu também do lado dos bolcheviques... Este post, portanto, não tem pretensão de criar juízo de valor a respeito de Trotsky ou de Stalin e outros membros dos chamados velhos bolcheviques. Nossa única pretensão é oferecer material para que o leitor interessado no assunto possa conhecer um pouco mais dos acontecimentos daquela época, já um pouco distante no tempo.
Retirei o texto do livro de um militante comunista, o alemão Arthur Rosenberg: História do Bolchevismo. Apesar de comunista, Rosenberg não escreveu um livro apologético e sim uma análise objetiva do cenário russo na época do bolchevismo.
Milu Duarte
Milu Duarte
"Em 1922 a grave doença de Lenin colocou em foco a questão da sucessão. Era evidente que esta não podia recair numa pessoa qualquer, mas no partido em seu conjunto. Isso, praticamente, significava o fim da "velha guarda", o núcleo de bolcheviques que construira o partido juntamente com Lenin, a partir de 1903. Desse modo, a direção passou de Lenin para as mãos de Zinoviev e Kamenev.
Kamenev
Antes de tudo, ambos eram políticos e teóricos. Tornava-se, então, necessário que suas ações fossem complementadas pelas de um organizador prático. Esse era Stalin. Tratava-se de um velho bolchevique, de origem georgiana ou grusa, como eles se chamavam no Cáucaso. Os georgianos deram todo um grupo de cabeças de primeira ordem para o movimento revolucionário e socialista russo: mesmo entre os mais notáveis mencheviques de 1917 havia muitos georgianos. Recordemos que a nacionalidade nada significava dentro da organização revolucionária russa da época do tzar: grão-russos, ucranianos, judeus, poloneses, letões e georgianos trabalhavam juntos em perfeita harmonia.Stalin é um revolucionário russo que se formou culturalmente antes da guerra. O fato de vir da pequena nação georgiana contribuiu sensivelmente para interessa-lo de maneira especial, durante sua iniciação política, pela posição do socialismo quanto à questão nacional. (...)Em fevereiro de 1913, Lenin escrevia da Galícia a Maksim Gorki, dizendo que concordava com sua opinião sobre a necessidade de se preocupar seriamente com a questão das nacionalidades. E acrescentava:"Temos aqui um formidável georgiano, que está escrevendo para a Proveschenie (ilustração) um extenso artigo, no qual reuniu todos os materiais todos materiais austríacos e outros(*). O "gruso" era Stalin que, exatamente fugindo da Sibéria, vivera algum tempo em Cracóvia e Viena.
Trotsky,Lenin e Kamenev
De 1917 em diante, Stalin progrediu paulatinamente, colocando-se em primeiro plano graças à sua habilidade de organizador. É verdade que na primavera de 1917 pertenceu à tendência conciliadora encabeçada por Kamenev e que também só lentamente aderiu à tática de Lenin. Porém, em 1922, estava a frente da direção do aparelho do partido bolchevique, com o cargo de secretário-geral. O tiunvirato Zinoviev-Kamenev-Stalin governou a Rússia de 1922 a 1925.Não houve necessidade de se criar uma nova forma de regime para os três homens. As decisões importantes eram tomadas, como antes, pela direção central do partido comunista, mas eles, em todas as cirunstâncias mais graves e depois de se consultarem entre si, tinham atitudes comuns. Depois suas propostas eram aceitas pela direção central ou por sua representação pelo comitê, isto é, pelo birô político do partido.
Zinovev
Esse governo de velhos bolcheviques significava a exclusão de Trotsky, ainda que ele continuasse sendo membro do comitê central e Comissário do Povo para a Guerra, o triunvirato não o consultava para as decisões políticas mais importantes.Trotsky gozava de grande autoridade diante das massas do povo russo. Contudo, o círculo de velhos bolcheviques o considerava como um intruso, e se sabia que ele tinha opiniões muito diferentes a respeito das questões mais importantes de política e de organização.Enquanto Lenin estava vivo e conservava em suas mãos as rédeas do partido, as contradições entre os velhos bolcheviques e Trotsky foram superadas. Mas quando ele teve que avandonar a direção, o abismo abriu-se novamente.No fim de 1923. Trotsky iniciou abertamente a oposição aos três homens.Afirmava que uma camarilha burocrática apoderara-se do partido, que o direito de os filiados decidirem independentemente e de acordo com suas consciências não mais existia; que no campo internacional, a nova direção sofria derrota após derrota. Dizia: não há por que se assustar com tão miserável naufrágio da revolução alemã de 1923, pois à frente do partido bolchevique e da Internacional estão os mesmos homens que também quiseram arruinar a revolução de 1917. Trotsky dizia que ele, juntamente com Lenin, levara a revolução à vitória contra a oposição dos "oportunistas" Zinoviev e Kamenev.Que justificativa moral tem agora a velha guarda para conduzir o partido e o movimento operário internacional com sistemas ditatoriais? Um velho grupo dirigente pode ter seus méritos históricos, mas sempre existe o perigo de uma fossilização, de uma degeneração desse grupo, tal como acontecera com a direção social-democrata alemã, antes da guerra. O partido comunista russo só podia ser salvo pelo controle democrático por parte de seus membros, e, além disso, pela introdução de jovens e novas forças.
Vê-se claramente que Trotsky, com essas declarações, atacava a própria essência do bolchevismo, ou seja, a construção hierárquica do partido de cima para baixo, e também a autoridade histórica da antiga direção central bolchevique. Mas no caso de que a ditadura interna do partido fosse sacudida, então nem mesmo a ditadura do partido sobre o povo russo, a ditadura tal como se formara nos últimos anos, poderia se manter de pé. Isso, na medida em que uma coisa supõe a outra. Entre o final de 1923 e o princípio de 1924 surgiu no partido uma viva discussão em torno de Trotsky.Ele obteve entusiasmadas adesões na juventude, especialmente na juventude proletária culta das universidades operárias, mas o conjunto da organização do partido era contrário a ele; e a organização dominava os filiados. Dominava de tal forma a levar a uma votação contrária a Trotsky e favorável ao triunvirato durante o congresso partidário de 1924. Trotsky foi deposto do Exército Vermelho e, depois, retirou-se da política ativa."
Mais tarde, Stalin se voltou contra os outros dois membros do triunvirato:Kamenev, que foi preso, julgado, condenado e executado por traição e atividade contra-revolucionária - junto deZinoviev. A família de Kamenev também acabou executada - só um de seus filhos sobreviveu aos expurgos do governo Stalin.
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(*)Lenin, Obras completas,op.cit.:Vol.XXXIX,p.39(Lenin se refere a um artigo assinado por Stalin intitulado "O problema nacional e a social-democracia.
(**)O Ano I da Revolução Russa
2 comentários:
Vi um post idêntico a esse no blog Com Texto Livre rsrs. Não gosto muito do Trotsky. Era meio estranho e se opunha ao socialismo direto e a algumas ideias de Lenin. Também acho que Stalin não precisava ter um governo tão autoritário. O melhor dos líderes da União Soviética foi também o que menos a presidiu, infelizmente...
Oi, Edu, o Com Testo Livre realmente colocou meu post no blog, mas fez a referência da fonte no final, onde vem escrito "by russia show". Daí, sem problemas. Mas, mesmo assim, muito obrigada pelo toque.
Abraços e sucesso com seus excelentes blogs.
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