sexta-feira, 7 de outubro de 2011

EM MEMÓRIA A SERGUÊI IESSÊNIN (POR LEV TROTSKI)


Perdemos Iessênin, esse admirável poeta tão vigoroso, tão verdadeiro. E que fim trágico! Ele partiu de si mesmo, dizendo adeus com seu sangue a um amigo desconhecido, talvez a todos nós. Suas últimas linhas contém extraordinária ternura e placidez. Iessênin deixou a vida sem ofensas, protestos, sem bater a porta. Fechou-a docemente. com a mão sangrando. A imagem poética e humada de Iessênin, com esse gesto, brotou numa inesquecível luz de adeus. 
Iessênin compôs os mordazes "Cantos de Um Hooligan", e aos insolentes refrãos das espeluncas de Moscou deu inimitável melodia. Gabava-se amiúde de um gesto vulgar, de uma palavra crua e trivial. Mas no fundo palpitava a ternura toda particular de uma alma indefesa e sem proteção. Iessênin, com essa grosseria semidisfarçada, tentava se proteger contra a dureza da época em que nasceu. Mas não conseguiu.
"Não posso mais", declarou a 27 de dezembro o poeta(*).Vencera-o a vida. E ele o diz sem provocação ou recriminação. Convém insistir nessa grosseria semidisfarçada porque Iessênin simplesmente não escolhera sua forma de expressão: as condições de nossa época tão pouco terna, tão pouco doce, impregnaram-no. Cobrindo-o com a máscara da insolência  e por essa máscara pagou um tributo considerável e, por conseguinte, de modo algum ocasional -parece que Iessênin nunca se sentiu deste mundo. Não dissemos isso para louvá-lo. Perdemo-nos justamente por causa dessa incompatibilidade. Nem para censurá-lo: quem pensaria em estigmatizar o grande poeta lírico que não soubemos conservar conosco?
Áspero tempo o nosso, talvez um dos mais ásperos na história desta humanidade dita civilizada. O revolucionário, nascido no curso dessas poucas dezenas de anos, deixou que o dominasse um patriotismo furioso por esta época - a sua pátria no tempo. Iessênin não era um revolucionário. O autor de "Pugachev" e das "Baladas dos vinte e seis" era um lírico interior. E nossa época nada tem de lirismo. Eis a razão essencial por que Sierguêi Iessênin, por si mesmo e tão cedo, se foi para longe de nós e de seu tempo.
As raízes de Iessênin são profundamente populares, e, como tudo nele, seu fundo povo não é artificial. A prova não está em seus poemas sobre a rebelião popular,mas novamente no lirismo: "Tranqüilo na moita de zimbro, junto do barranco,/ O outono, cavalo alazão, sacode sua crina".
Esta imagem do outono e tantas outras surpreendem antes de tudo pela audácia gratuita. O poeta força-nos a sentir raízes camponesas de suas imagens e a deixar que, profundamente, nos penetrem.(...)O fundo camponês - ainda que transformado e apurado por seu talento criador - estava solidamente preso a ele. E foi a própria força desse fundo camponês que provocou a fraqueza de Iesênin: ele arrancou suas raízes do passado e não tinha onde as deitar nos tempos atuais.
A cidade não o fortaleceu. Pelo contrário, quebrou-o e feriu-o. Suas viagens ao exterior, à Europa e ao outro lado do oceano, não puderam reorientá-lo. Ele assimilou muito mais Teerã que Nova York, e o lirismo interior da criança de Riazan afinava-o mais com a Pérsia que com as cultas capitais da Europa e dos EUA. iessênin não era hostil nem mesmo estranho à Revolução, para a qual constantemente Tendia, escrevendo desde 1918: "Ó mãe, minha pátria, sou bolchevique"!; e, ainda nos últimos anos: "E agora, na terra soviética, / Sou o mais ardente companheiro de viagem"(**)
A Revolução penetrou com violência a estrutura de seus versos e suas imagens, que, confusas de início, se aprimoraram. Iessênin, no desmoronamento do passado(***), nada perdeu nem deplorou. Estranho à Revolução? Certamente não. Mas uma e outro possuíam a mesma natureza. Iessênin era um ser reservado, terno, lírico. A Revolução é pública, épica, cheia de desastres. E foi um desastre que cortou a curta vida do poeta. 
Diz-se que cada ser leva em si a força de seu destino, que a vida desenvolve até o fim. Aí realmente só está uma parte da verdade. A força criadora de Iessênin, desenvolvendo-se, chocou-se contra as arestas da época - e se partiu. Encontraram-se em Iessênin valiosas estrofes, impregnadas de seu tempo. Toda a sua obra está assim  marcada. E Iessênin "não era deste mundo". Não é o poeta da Revolução.
Tomo tudo _ tudo como eu aceito,
Estou pronto a seguir os caminhos já percorridos, 
Darei toda minha alma a Outubro e a Maio,
Só a minha lira bem-amada não cederei!
Sua  força lírica só poderia desenvolver-se até o fim nas condições de uma vida harmoniosa, feliz, cheia de cantos, numa época em que não imperasse o combate, mas a amizade, o amor, a ternura. Ela virá. por enquanto ainda haverá muitas lutas implacáveis e salutares, de homens contra homens, preparando a chegada de outros tempos. Depois a personalidade poderá desabrochar, como a poesia. "A Revolução, antes de tudo, conquistará para cada indivíduo, em duras lutas, o direito à poesia, e não somente o pão".
Para quem Iessênin escreveu a carta de sangue no último momento? Talvez chamasse de longe um amigo que ainda não nasceu, o homem de um futuro que alguns preparam com suas lutas _ e Iessênin com seus cantos. O poeta morreu porque não possuía a mesma têmpera da Revolução. Mas, em nome do futuro, a Revolução o acolherá para sempre. 
Iessênin, desde os primeiros anos da obra poética, compreendeu sua incapacidade de defender-se de si mesmo e se inclinava para a morte. Num dos seus últimos cantos, disse adeus às flores:
"Pois bem, minhas amadas, pois bem! Eu vos vi, eu vi a terra
E vosso fúnebre calafrio 
Tomei como nova carícia".
Somente agora, após 27 de dezembro, todos nós _ aqueles que o conheceram superficialmente e os que não o conheceram _ podemos compreender a sinceridade de sua poesia - da qual cada verso era quase escrito com sangue. Sangue de uma veia cortada. A nossa amargura por isso é tanto mais áspera. Sem sair de seu domínio interior, Iessênin encontrava, no pressentimento do seu fim próximo, melancólica e emocionante consolação:
Escutando a canção no silêncio, 
Minha amada, com outro amado,
Talvez se lembre de mim,
Como de uma única flor.
Dentro de nossa consciência, um pensamento adoça a dor aguda ainda recente: esse grande e autêntico poeta refletiu, à sua maneira, a nossa época, e a enriqueceu com seus cantos, evocando em novas formas o amor, o céu azul tombando no rio, a lua que, como um carneiro, pasta no céu, e a flor única _ ele mesmo.
Que, na lembrança ao poeta, nada exista que nos esmoreça ou nos tire a coragem. A força de nossa época é bem maior que a existente em cada um de nós. A espiral da história irá se desenrolar até o fim. Não nos oponhamos a ela. Ajudemo-la com os esforços conscientes do pensamento e da vontade. Preparemos o futuro. Conquistemos, por todos e para cada um, o direito ao pão e o direito ao canto.
O poeta está morto. Viva a poesia! Mas viva a vida criadora na qual até o último momento, Sierguêi Iessênin entrelaçou os deilicados fios de sua poesia!
 Lev Trotski
Pravda, 19/01/1926
_______________________________________________
Notas:
(*)27/12/25, data de sua morte
(**)Termo usado para escritores e poetas que não haviam aderido à Revolução, mas que a aceitavam, sem participar ativamente dela. O termo foi criado por Trotski.
(***) Trotski se refere, aqui, ao desmoronamento do passado ligado à burguesia, que afetou muitos dos escritores, que se viram perdidos na nova realidade de um Estado Proletário.

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