quarta-feira, 18 de agosto de 2010

MAIS CARTAS DE SVETLANA ALLILUYEVA, A FILHA DE STALIN - PARTE 1

Hoje, depois de longo tempo, volto a publicar as cartas de Svetlana Alliluyeva, filha de Stalin, extraídas de seu livro, esgotado no Brasil, "Vinte Cartas a Um Amigo".
A carta de hoje é a primeira parte da carta de número 9. Optei por dividi-la em duas partes, para fins deste post, uma vez que ela é bem grande (confesso, aqui, que sou preguiçosa!), a fim de não cansar muito o leitor. Prometo o resto da mesma para amanhã. Esta é uma carta que retrata, muito bem, as relações familiares ao redor de Stalin. Mostra, com detalhes, a personalidade de Nadezhda, sua esposa e a do próprio Stalin. Acredito ser esta uma das mais reveladoras das cartas de Svetlana, merecendo, por isso, ser lida com atenção.
"Mamãe era severa conosco, as crianças - inexorável e inabordável. Isto não era frieza de alma, não, mas por seu caráter exigente conosco e consigo própria. A imagem que guardei de mamãe é a de uma mulher muito bela, e assim, provavelmente, devia ser tida, não apenas por mim. Não me recordo exatamente do seu rosto, mas a impressão geral que me ficou foi de uma beleza, graciosidade, leveza de movimentos e exalando fragrância. Esta foi a impressão inconsciente da infância. Era simplesmente assim que se sentia sua atmosfera, a sua natureza. Raramente ela me fazia carinho, enquanto que papai vivia eternamente a carregar-nos nos braços, gostava de me dar beijos ruidosos e vorazes, de me por apelidos carinhosos - "pardalzinho", "mosquinha". Certa vez eu cortei a toalha nova com uma tesoura. Deus meu! Quão fortemente me bateu nas mãos. Eu berrei tanto, que papai veio, tomou-me nos braços, consolou-me, beijou-me e, de certa maneira, acalmou-me... Por diversas vezes ele me livrou de ventosas e sinapismos - ele não suportava o choro nem grito de criança. Mamãe era implacável e zangava com papai por causa dos meus "mimos". Eis a única carta de mamãe para mim, escrita em 1930 ou 1931, que se conservou:
"Salve, Svetlanotchka!
Vássia escreveu-me dizendo que a menina está constantemente a fazer travessuras. é terrivelmente aborrecido receber cartas deste tipo sobre a menina. Eu pensava ter deixado uma menina grande, sensata, mas acontece que ela é bem pequena e, sobretudo, não sabe conduzir-se como gente grande. Eu peço, Svietlanotchka, que você converse com N.K.(*) e organize as suas coisas de modo que eu não receba mais cartas deste tipo. Faça isto sem falta e escreva-me juntamente com Vássia ou N.K., dizendo se chegaram a um acordo sobre isto. Quando mamãe saiu a menina fez muitas, muitas promessas, mas está cumprindo muito pouco. Assim, responda-me sem falta, como decidiu viver daqui por diante; com sensatez ou de que outra maneira. Pense com seriedade, pois a menina já está grande e sabe raciocinar. Você está lendo alguma coisa em russo? Espero resposta da menina.
Sua mamãe".
Fis tudo. Nenhuma palavra de carinho. Os delitos da "menina grande" que, na época, teria cinco anos e meio ou seis, eram, certamente, insignificantes. Eu fui uma criança quieta e obediente. Mas me faziam severas exigências.

As cartas de papai eram diferentes. Conservo comigo duas cartas dele, talvez da mesma época (1930-1932), porque papai as escreveu com letras grandes e regulares de imprensa. Terminava-se invariavelmente com o mesmo "beijo-a". Papai gostava muito de beijar-me, enquanto eu era pequenina. Até meus 16 anos, chamava-me "Setanka". Era assim que eu mesma me chamava, em pequena - Setanka. Ele me chamava, também, de "dona de casa", porque queria muito que eu, como mamãe, assumisse o papel ativo de dona de casa, de ativa dirigente da casa. Gostava, ainda, de dizer, quando eu pedia algo:"Ora, pra que pedir! Decrete e nós cumpriremos". Daí o jogo dos "decretos" que se prolongou por muito tempo em nossa casa. Havia, também, a "menina ideal" fictícia - Liolka - que fazia tudo direitinho e eu odiava-a por causa disto. Após esses esclarecimentos, posso citar outras cartas dele daquela época:
"Para Stenka, "dona de casa",
Você deve ter esquecido o paizinho. Por isso que não lhe escreve? Como está a sua saúde?Está doente? Que faz do seu tempo? Tem encontrado Liolka?Eu imaginava que não demoraria a receber um decreto seu, mas até agora nada!Isto é mau, Você magoa o paizinho. Bem, beijo-a. Espero sua carta.
Paizinho."
Tudo isto vinha escrito com requinte e capricho, em grandes letras de forma. Eis outra carta daqueles tempos:
"Salve, Setanka! Obrigado pelos presentes. Obrigado, também, pelo decreto. Parece que não esqueceu o paizinho. Se Vássia e o professor forem para Moscou , fique em Sótchi e me espere. De acordo? Bem, beijo-a. Seu papai".
Toda a correspondência com meus pais dividiam-se ente Zubálovo e Sótchi, onde eles iam passar o verão, enquanto que nós ficavamos na casa de campo ou vice-versa. Cito, paralelamente, as cartas de mamãe e papai, porque elas caracterizam bem o temperamento de ambos com relação às crianças. Papai nunca me intimidou (é verdade que ele era muito severo e exigente para com Vassily). Gostava de brincar e de mimar apenas a mim. Eu era a sua distração e o seu descanso. Mamãe, por seu lado, se compadecia mais de Vassily e era severa comigo.para compensar os carinhos de papai. Mas, mesmo assim, eu gostava mais dela...
Lembro-me bem do dia em que indaguei a minha babá: "Porque que é assim: porque que entre vovó e vovô eu gosto mais de vovô e entre papai e mamãe, gosto mais da mamãe?"

A babá agitou os braços e se atirou sobre mim: "como é isto!? E a vovó? e o papaizinho? É preciso amar a todos! Já se viu isso?" Ela durante muito tempo ficou horrorizada e ralhando comigo. É preciso amar a todos - este era o lema de sua vida, além do tirocínio de uma aia conscienciosa: não fazer distinção alguma entre os patrões e não incuti-la nas crianças. Suas preferências pessoais nunca foram reveladas a mim. Ela tratava a todos da mesma maneira.

Mamãe quase nunca ficava conosco. Eternamente sobrecarregada com os estudos, com o emprego, com as tarefas do Partido, com o trabalho social, ela pouco parava em casa. Nós estavamos também sempre sobrecarregadas de lições, passeios com o professor ou com Natália Konstantinovna, catando plantas, criando coelhos, somente para não ficarmos sem fazer nada! A norma expressa por ela em uma das suas cartas ainda do tempo de ginásio - quanto mais tempo, mais vadiagem - aplicava-a inflexivelmente a seus filhos. Além do alemão e das lições diárias de russo e aritmética, além do desenho e modelagem, com Natália Konstantinovna, mamãe matriculou-me no grupo pré-escolar de música. Tratava-se de um grupo de cerca de 20 crianças, que eram levadas pelos pais para a casa dos Lomov. Durante dois anos, a babá me levava à casa deles, na Travessa Sapasso-Peskovsky. Esta era uma ocupação magnífica e interessantíssima. As crianças cantavam em coro ou solavam, conforme as aptidões de cada uma. Havia jogos e brincadeiras destinados ao aprimoramento do ouvido, à percepção do ritmo. Mais tarde ensinaram-nos a escrever notas musicais e fazíamos ditados. Eu sempre me saí bem. Mamãe estava muito satisfeita porque essas ocupações não eram inúteis. Infelizmente já não me recordo mais do nome da simpática professora que nos transmitiu a todos, então, algumas noções musicais. Minha babá morreu e eu não tenho ninguém a quem perguntar agora o nome dela, nem os dos donos da casa, eles tinham excelentes livros infantis. Foi lá que consegui o " Max e Moritz". Eu e a babá líamos em voz alta esse livro. A babá, que se lembrava bem de todos os versos, depois os "recitava" com freqüência para mim.

Apesar da falta de tempo, mamãe continuava seus estudos musicais com a professora, então conhecida de todos no Kremlin, Aleksandra Vassílievna Pukhliakova. Encontrei-a com ela muito mais tarde. Mamãe estudava, também, francês - não sei com quem, nem o que conseguiu aprender. De qualquer maneira, a fim de não ficar para trás em relação a toda essa gente boa e culta que nos rodeava, ela mesma queria estudar e se aperfeiçoar.

Ela era tão jovem: tinha toda a vida pela frente. Em 1931, havia completado apenas 30 anos. Estudava na Academia Industrial, na Faculdade de Fibras Artificiais. Naquela época isto representava um novo tempo, uma nova química industrial. Mamãe poderia ter-se transformado numa grande e excelente especialista. Restaram os seus cadernos - arrumados e limpos, certamente exemplares. Ela era exímia em desenho industrial. Havia no seu quarto uma prancheta. Na Academia estudavam também suas amigas Dora Moisseievna Khazan (mulher de A. Andreiev) e Maria Márkovna Kagânovitch.
O sectário da célula do Partido era o jovem Nikita Serguêievitch Khruschev, que veio para a Academia procedente da bacia do Don. Após terminar a Academia, ele se tornou um militante profissional do Partido, enquanto que as companheiras de mamãe conseguiram um emprego numa indústria têxtil. Ela mesma estava anciosa por um trabalho independente. Deprimia-se na posição de "primeira dama do reino". Certa vez -isto era tão raro! - mamãe passou um dia inteiro em nossa compainha em Zubálovo. Provavelmente precisou substiutuir a professor. Ela ora arrumava alguma coisa, ora cozia, ora debatia algo com a babá, examinava meus cadernos.

Não suportava sentimentalismos melosos com as crianças. Mas, por outro lado, quando estavam construindo, em Zubálovo, uma praça esportiva infantil, ela mesma se empenhava em instala-la do melhor modo possível. A "casinha de Robinson", construída nas árvores, provavelmente não surgiu sem a sua colaboração. Gostava muito de fotografar e fazia-o muito bem. Todas as fotos dos familiares, em Zubálovo e em Sotchi, foram batidas por ela. Ela fotografava crianças, convidados, a paisagem das redondezas, a própria casa. Graças a ela, foram conservadas fotos de nossa casa em Zubálovo e da nossa casa de campo em Sótchi, onde também me levavam, com mamãe; retratos da primeira casa construída para papai, em Sotchi, pelo arquiteto .I. Mwejánov. Mais tarde, papai ficou possuído pela ânsia de reconstruir e tornou todas estas casas irreconhecíveis. Graças a Deus, posso reconhece-las pelas fotos batidas por mamãe - reconhecer e recordar...

Depois de nós, crianças, ela era a mais jovem da casa. As professoras, a babá -todas eram mais velhas, todas tinham mais de anos; a governanta da casa, Carolina Vassilievna, a cozinheira Elizavieta Leonidovna, eram mulheres já idosas, com mais de cinquenta anos. Mas, de qualquer modo, todos amavam a jovem, bela e delicada patroa - todos reconheciam a sua autoridade. O meu irmão mais velho, Yacha, era mais jovem que mamãe apenas sete anos. Ela demonstrava muita ternura por ele, preocupava-se com sua vida e consolava-o pelo fracasso do seu primeiro casamento, quando teve uma filha, que morreu logo depois. Mamãe sofria muito por ele e tentava, por todos os modos, tornar a vida dele suportável. Mas isto era praticamente impossível, uma vez que papai estava mal satisfeito com a sua mudança para Moscou (feita por insistência do tio Aliosha Svanidze), mal satisfeito com seu primeiro casamento, com os seus estudos, com o seu caráter, numa palavra, com tudo.

A tentativa de suicídio de Yacha deve ter sido angustiante para mamãe. Levado ao desespero com a atitude de papai, que nunca o apoiou, Yacha atirou em si mesmo, na cozinha de nossa residência no Kremlin. Felizmente, ele apenas se feriu, a bala passou de raspão. Mas papai encontrou nisso um motivo de piléria: "Ah, não acertou!", gostava ele de zombar. Mamãe ficou transtornada. Esse tiro deve te-la atingido no coração, marcando-a por longo tempo...

Vassily(Vassya)
Yacha, do lado esquerdo de Stalin

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